sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Dorothy e o embrulho dourado


Dorothy olhou para o embrulho dourado. Fez aquele movimento com a boca que sempre fazia, quando estava confusa. Abriu e olhou dentro. Só duas coisas. A carta, que ela escrevera até as 3h da madrugada na véspera de um dia tão importante. A carta, tão diferente da que entregara há cerca de 1 ano. Tão mais agradável, tão mais madura, tão mais sensata. Deixou de dormir pq encontraria com ele e queria já entregar tudo. A carta e aquilo. Aquilo que ela caminhara tanto tempo, debaixo de sol forte e chuva torrencial, para conseguir. O tempo em Oz era sempre tão estranho...

Fechou o embrulho dourado. Repetiu o movimento com a boca, aquele que refletia sua confusão. Ele não tinha aparecido. Era isso. Ok, tinham lá os motivos e eles justificavam e ela não tinha qualquer problema em relação a isso. Sabe, ela até teria ido até ele, se pudesse. Se ele deixasse. Só que ela acabou falando disso pra ele. Do embrulho dourado. E perguntou uma forma de entregar. Era importante. E ele não respondeu. Era cérebro que ele não tinha ou audição? Ou visão? (Bom, a visão era mesmo um pouco prejudicada, disso ela sabia).

O que ela ia fazer com esse embrulho dourado? Repetiu o movimento com a boca. Ainda confusa. Jogar fora? Mas tinha dado trabalho... Dar pra outra pessoa era impossível. Aquilo era tão repleto de significados...

Suspirou e repetiu o movimento com a boca, quase um tique. Natural. Naturalmente confusa. Ela lembrava ainda dos tempos difíceis em que tinham se separado, depois de passarem tanto tempo caminhando juntos pelos tijolos amarelos. Lembrou o quanto foi estranho cada um tomar um rumo, diferente, para chegar à cidadezinha verde. Lembrou o quanto isso a machucou. O tornado ali, tão dentro dela. E lembrou da alegria confusa - sempre confusa, sempre tornado - quando eles decidiram voltar à mesma estrada, juntos. Sapatinho de rubi 34 e pé de palha, juntos, nos tijolinhos amarelos. Confuso, tudo bem. Mas tão bom... Para a menina Gale, amizade, quando de verdade, sempre era superior a tudo.

Levantou, segurando o embrulho dourado. Pela milésima vez repetiu aquele movimento com a boca. Havia durado pouco aquele reencontro. Um, dois, dez passos. Separaram-se de novo. Mas caminhos ainda próximos. Ela ainda encontrava com ele, quase sempre. Às vezes via os corvos, de longe. Sabia que ele estava ali. E, então, ele propôs que eles voltassem a trilhar o caminho dos tijolos amarelos juntos. Ela tinha medo de que isso durasse pouco de novo, de que logo viesse mais uma separação. Um medo tão grande. Mas ela aprendeu que quando vc tem medo e faz mesmo assim, isso é coragem. E coragem ela tinha. Coragem, coração e cérebro, essa menina Dorothy Gale. E, por isso, ela aceitou. Ela voltou à estrada, com ele. Off to see the Wizard. E, quando tudo parecia tão bom, ele sumiu. Assim, sem aviso, sem bilhete de despedida. Ela ainda tentou, pq era importante, era tão importante. E ele não havia falado que gostava muito dela? Então, ela devia ser importante pra ele, não é? (Uma vez, ela lhe perguntou como ele falava se não tinha cérebro e ele lhe respondeu que muitas pessoas assim o fazem.). Mas ele, por razões desconhecidas, nem se preocupou em dar uma posição. Em avisar, em dizer "Ó, tô sumindo por isso".

Agora, lá estava ela. Sem entender. Segurando um embrulho dourado e repetindo infinitamente aquele movimento com a boca. O movimento que era quase um reflexo do tornado interno. Menina Gale.

Ela ia se preocupar em entender, de novo? Ela ia se desgastar para resolver, de novo? Ela ia chorar, de novo? Ela ia sofrer, de novo? Não, não ia. Ela aprendia, vagarosamente, mas aprendia. Falta, sempre faria. Saudade, sempre existe. Carinho, não se esgota. Mas ela tinha tanta coisa boa pela frente e tantas criaturinhas agradáveis por perto. Ela estava ali, naquele mundo tão mágico... E não ia deixar de aproveitá-lo.

Guardou o embrulho dourado na cestinha. Criaturinha repleta de fé e esperança aquela menina Gale. Pensava que ninguém sabia como seria o futuro, pensava que ainda poderia ter a oportunidade de entregar aquilo.

Pensou: "Adoro-te. Ainda. Incondicionalmente."

Esticou a perna direita, o sapatinho de rubi no ar. E, aí, quando ia repetir o movimento com a boca, mudou de ideia. Sorriu. Quando sorria, seus olhos brilhavam de uma forma especial. E, suavemente, colocou o pé direito, envolto no brilho vermelho do rubi, no próximo tijolo amarelo. E no próximo. E no próximo. E no próximo...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

a velhinha maluquete


quando eu era bem pequena, lá com meus 5 anos, já era uma leitora compulsiva. meu pai trabalhava em uma escola pública, professor de matemática. resolveu ajudar a biblioteca da escola a cadastrar uma caixa gigante de livros novos que chegaram. todos infantis. e, então, ele chegou com essa caixa em casa. uns 200 livros. era como estar no paraíso pra mim. 200 livros infantis! dá pra imaginar? e ele disse "vc pode ler quantos vc conseguir ler até eu devolver pra escola". e eu ia deixar de ler algum? impossível. li todos. um deles era "a velhinha maluquete". esse eu li. e reli. e reli. e reli. quando chegou a hora de devolver, meu pai, com pena, disse "fica com esse que vc leu milhões de vezes pra vc".

quando minha irmã era bem pequena, com seus 2-3-4 anos, eu sempre contava histórias pra ela. interpretava mesmo. fazia vozes. era minha diversão maior, era a diversão maior dela. e esse acabou se tornando, tb, o livro preferido dela.

com mudanças (de casa, cidade, tudo), acabamos perdendo o livro. mas não a paixão por ele. tanto que, quando ela tinha lá seus 13-14 anos (eu sou oito anos mais velha), fizemos esse "código" entre nós: sempre falávamos uma pra outra a frase clássica do livro, "poder, pode; mas tem que se comportar".

quando eu falei pela última vez com minha irmã ao telefone, ela disse que me amava. não era o normal, de sempre. isso me desconcertou um pouco e eu acabei esquecendo de dizer "poder, pode; mas tem que se comportar". foi a última vez pq, algumas horas depois, por uma bobeira (talvez predestinada) ela foi embora desse mundinho aqui. foi pra um outro. pra um melhor, com certeza. tinha só 15 anos. eu, 23. e uma culpa imensa por não ter falado pra ela "poder, pode; mas tem que se comportar".

não tive dúvidas: tatuei. gravei na carne, no sangue, no coração, na alma a frase que, pra maioria das pessoas não tem significado algum, mas que, pra mim, significa todo meu amor eterno pela minha pequenina: "poder, pode; mas tem que se comportar".

o que não termina...


“O tet podia estar quebrado, mas o ka permanecia.”

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A fase da poesia

Quando a gente tem entre 15 e 19 anos, sempre acha que é poeta. Ou que vai ser. Acha que é bonito ser poeta. Ou que é sofrido. Ou que é os dois.
Aí escreve em versos, rimando. E acha que tá arrasando!
Depois cresce. Poucos, muito poucos, viram poeta mesmo. Só aqueles que já nasceram poetas, que não "se descobriram" no momento teen da vida. A maioria percebe que maturidade e poesia podem ser incompatíveis.
Eu? Eu fiz lá minhas poesias também... Despertei a admiração dos amigos, na época. Morri de rir depois. Aí descobri as delícias da prosa, comecei a achar cafona rimar o tempo todo e me encontrei, no ato de escrever.
Da fase da poesia, sobraram 3 cadernos. E, algumas delas, eu ainda gosto. Pq são muito engraçadas, pq são sublimemente bobas ou pq ainda fazem sentido. Como essa:

Briga constante
Batalha avassaladora
Em que luto comigo mesma
E sempre saio perdedora

Nunca faço o que quero
Nem aplaco a minha vontade
Nunca me permito
Saciar esta necessidade

Disfarço meus desejos
Invento mil razões
Sem nem saber porque
Contrario minhas opiniões

Quanto mais perto estou
Mais eu me distancio
Por medo de possuir
Me entrego ao vazio

* é adequado manter os exageros vexaminosos e os erros de português.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Tia Coração

É engraçado como a gente convive com as pessoas e sabe tão pouco sobre elas. Um exemplo é a Tia Coração. O que eu sabia sobre ela: que ela era uma graça de pessoa, limpava o Macu e tinha uma energia muito boa. Só.

Meu primeiro contato com a Tia Coração foi na época da 1ª montagem, em meus tempos de Emilinha. Quando eu não estava em cena, meu tempo no camarim era dedicado a ajudar um colega de elenco que tinha muitas trocas de roupa. Como eu não tinha nenhuma troca, eu corria pro camarim separando calças e blusas, corria pelas coxias levando acessórios de cena, ajudava a vestir, arrumava o cabelo, deixava tudo pronto para a próxima troca. Depois da minha penúltima cena, eu saía desmanchando as tranças (na última cena eu entrava com o cabelo solto), ajudava em mais uma troca e corria pro banheiro pra encher um balde de água (morna, pq era em julho e tava um frio tenebroso já), que seria usado para mergulhar a cabeça desse colega antes da penúltima cena dele. E, então, lá fui eu correndo com o balde, entrei no banheiro e dei de cara com a tia. Lembro que pensei "Ai, meu deus! A tia me vendo vestida de criança, com essa maquiagem de boneca!" e nem me toquei que ela via coisa pior todos os dias, afinal, ela trabalhava em um teatro. Expliquei pra ela pq eu estava enchendo o balde, conversamos e voltei. Na segunda sessão, quando cheguei no banheiro, ela disse "Coração, tirei as coisas do chuveiro pra ficar mais fácil pra você". Era incrível, mas a tia tinha mais espírito de grupo que 80% do elenco da peça. Numa turma em que 5 ou 6 pessoas ajudavam e contribuíam, ela - que não tinha nada a ver - estava me ajudando.

Depois disso, em todas as sessões, eu tinha esse intervalo no banheiro, enchendo o balde e conversando com a tia. E isso me fazia bem; me fazia esquecer a bagunça irresponsável no camarim, as pessoas gritando enquanto a peça rolava. Tirava da minha cabeça até os "Não, roupa errada" e "Você demorou com a toalha", ditos de forma tão ríspida e que machucavam tanto alguém que estava ajudando por amizade e não por obrigação. Conversar com a tia, ser envolvida pela energia dela, me fazia voltar feliz pro camarim, pro palco, pra peça, pra vida.

Esse contato simples - oi, tchau, beijo, abraço, brincadeiras - continuou por meses e meses. Até um sábado desses.

Saindo de mais uma sessão de Dom Casmurro, quase 23h, encontrei a tia indo embora. Caminhamos juntas por cerca de 15 minutos. E conversamos. Na verdade, eu ouvi muito. Ainda bem!

Ela me chocou dizendo que tinha 72 anos (aparenta no máximo 50) e me contou da infância sofrida no Paraná, da falta de estudo, da avó que só falava espanhol, da morte do pai ainda novo, da força da mão criando quatro filhos sozinha, do trabalho na roça, em plantação de café, do pedido de casamento aos 12 anos (mas era cedo ainda e eles esperaram ela fazer 13), da vida atual...

Eu já estava maravilhada em realmente conhecer alguém que já fazia parte da minha vida há um certo tempo. E, então, ela contou que a irmã dela tinha se casado com o irmão do seu marido e que moravam todos juntos hoje - ela, quase completando 60 anos de casada - e viviam felizes. Com essa última informação, chegamos ao ponto onde nos separávamos e ela disse "A gente vive assim... É tudo simples, muito simples, mas muito bom. A vida é assim!". Ela nem sabia, mas estava me dando uma grande lição.

Pra terminar em grande estilo, depois do abraço aconchegante e do beijo mais carinhoso que recebi naquele mês, ela disse "Fica com Deus!". Nem precisava! Depois de tudo isso, eu tinha certeza de que Ele já estava ao meu lado...

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O teatro do teu sonho

Desligou o telefone e sentou no banco do teatro.
Com raiva. Com ódio.
Lembrando das palavras de Veríssimo pai: "O oposto do amor não é o ódio, e sim a indiferença."
- O que foi?
Contou. Omitindo detalhes, revelando sentimentos, transbordando. Intransitivamente, o último.
Risos.
- Eu ainda vou escrever uma peça de teatro da história de vocês...
Não conseguiu manter a seriedade. Sorriu. Se ela soubesse de cada detalhe... Nem Zé Celso faria uma peça tão longa!
Seria uma comédia? Provavelmente, tragicomédia, sabe? Teatro do absurdo. É. Mas, sem dúvida alguma, o público ia rir muito. E, talvez, chorar um pouquinho...

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pérolas da tia Clarice

“Já tentei olhar bem de perto o rosto de uma pessoa – uma bilheteira de cinema. Para saber do segredo de sua vida. Inútil. A outra pessoa é um enigma.”

“Não se sabe se essa criança teve que passar pela via crucis. Todos passam.”

“Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente, a minha própria vida.”

“Pois também eu solto as minhas amarras: mato o que me perturba e o bom e o ruim me perturbam, e vou definitivamente ao encontro de um mundo que está dentro de mim, eu que escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma.”

(Clarice Lispector)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Meu português preferido



Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo o dia.
(José Saramago)

*deus, me dá dinheiro pra comprar o livro mais novo dele?*

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Anti-social Virtual

Fato: pessoas que têm muitos amigos virtuais, têm poucos amigos de verdade. Quando têm.
Eu penso na infinidade de pessoas que vejo por aí com 800 amigos no orkut, 500 no facebook, 300 seguidores no twitter... e não fazem ideia de quem são aquelas pessoas. Foram adicionando. A coisa da popularidade. (E, aqui, eu lembro de Woody Allen dizendo que bambolês eram populares, epidemias de tifo eram populares. E concluindo com o clássico “quantidade não representa qualidade”) E, assim... desculpa, mas eu não vou acreditar que ninguém conhece 800 pessoas com as quais já conversou ao menos uma vez. E, mesmo assim... Conversou 20 minutos em 2004, que seja! Pq raios manter essa pessoa entre seus contatos?
Eu sou uma anti-social virtual. Não era, confesso! Afinal, a Internet já foi uma novidade e, naquela época (tiazona total), era bacana conhecer – entre muitas aspas – novos amigos – mais aspas ainda aqui. Mas, convenhamos, esse mundinho virtual já é so last year. Ele existe, já não é algo novo. E, mesmo passando boa parte da minha vida conectada, eu me tornei uma tremenda de uma anti-social. Com orgulho.
O orkut, por exemplo. Todas aquelas pessoas estão lá por um motivo. Se passa um certo tempo e a permanência deixa de fazer sentido, eu deleto, sem pena. E, não, não quero fazer mais amigos. Você é uma pessoa incrível do Acre e quer ser minha amiga? Problema seu. Não vou te adicionar. Acredite, existem pessoas tão legais quanto eu no Acre; procure-as aí. Você achou meu perfil legal? Problema seu; frankly, my dear, I don´t give a damn. E, não, não vou te adicionar; ainda mais pq meu perfil não tem absolutamente nada, nem uma mínima parte de quem eu sou. Ah, e você quer me adicionar pq me achou bonita? Boa notícia pra você: você enxerga bem. Má notícia: eu não adiciono pessoas pq elas enxergam bem. Que fique bem claro, eu adiciono quem eu conheço. Pessoas com quem eu mantenho contato. Só.
E o MSN? Quando eu penso no tempo que eu já perdi conversando com pessoas desconhecidas, nos meus 17/18 anos, fico até tensa. Meu deus! Já tive 630 contatos no MSN. Hoje tenho 80. Quando entro – o que é raro, graças! – converso com 5 ou 6 pessoas. Pq essas 80 pessoas são pessoas que eu conheço e – ohmygod! – como é mais legal sair com elas pra tomar sorvete (ou comer comida mexicana) e conversar. O MSN fica pra recados rápidos, combinar coisas... E, de novo, não vou adicionar ninguém que eu não conheça.
Aí veio o twitter. Alguém me explica pra que seguir alguém que eu não conheço? Que interesse eu tenho em saber o que alguém que eu não conheço come, qual filme essa pessoa assistiu ou, até mesmo, o que ela pensa da vida? Nenhum, certo? Aí aparecem essas pessoas do nada me seguindo e eu sou obrigada a pensar “oi?”. Pq raios elas me seguem? Ó, minha vida não é de seriado americano, eu não dou dicas arraso de nada e não sou super antenada com tendências de coisa alguma. Se você não me conhece, qual o interesse que você tem em mim? Isso é tão absurdamente sem sentido... Pior qdo as pessoas seguem só pra arranjar mais seguidores. AVISO: isso não funciona comigo, já saí da terceira série. Estou muito bem seguindo as dezenas – e só dezenas – de pessoas que conheço e um ou outro twitter de notícias ou vagas de emprego. É o que me interessa. Reth Butler way of life.
Que ninguém pense que eu sou rebeldinha, contra amizades virtuais e afins. Não mesmo! Eu só prefiro utilizar as tais redes sociais como um facilitador para estar sempre em contato com meus amigos de verdade. E, acreditem, eu fiz muitos amigos de verdade na Internet, pessoas pra quem conto minha vida, que se jogam no Darta comigo, que tomam tubaína comigo num sábado à noite... Amigos. De verdade. Que não moram no Acre, btw.
Sabe, o Rei jamais disse que queria ter 1 milhão de seguidores no twitter, 1 milhão de amigos no orkut. Ele disse só que queria ter 1 milhão de amigos. É o que eu quero. Aliás, prefiro até ter BEM menos de 1 milhão. Eu só quero ter amigos de verdade, não importa quantos sejam. Amigos com quem eu troque emails e converse no MSN, ok. Mas amigos que eu possa abraçar e conversar lado a lado e rir olhando nos olhos. É brega, mas é o que importa.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Mar Adentro

- Ninguém pode se apaixonar por um tetraplégico? É algo tão estranho?
- Bem, é melhor esclarecermos algumas coisas. Ainda mais se falamos de algo tão complexo como é o amor.
- Complexo?
- Sim, complexo. Por mais que você me diga agora que me ama, eu não posso ter certeza se é amor de verdade ou fantasia sobre o homem com quem sonhou, mas nunca encontrou. Ou não durou.
- Do que está falando? Não me confunda. Ou se ama ou não se ama. Não é possível racionalizar o amor.


quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Turn back, Sarah. Turn back before it's too late.


Ela entrou na sala. Cega com toda aquela luz de dentro. Talvez jamais se acostumasse com tanta luz. Talvez não precisasse mais se acostumar. Eram os cristais, os espelhos. A luz propagava, multiplicava, brilhava, cegava.
Respirou fundo. Estava criando coragem para este momento há semanas e, agora, percebia o quanto talvez não estivesse preparada.
Ele estava de costas. Ele, como a sala, brilhava. Virou-se, abriu o mais lindo e enigmático dos sorrisos e disse:
- Chegou cedo, Sarah!
Ele a desconcertava.
- Eu preciso falar com você.
- Eu sei que precisa, Sarah.
Ele a aterrorizava.
- Sabe? Como você sabe?
- Eu sei tudo, Sarah. Tudo sobre você.
Ele a assustava.
- Então... - hesitou. - Você... você...
- Se eu sei o que você vai dizer, Sarah?
Ele sempre dizia o nome dela. Era seu pequeno feitiço.
- Sabe?
- Sei, Sarah.
Ele ainda sorria. Ele a surpreendia.
- Então...
- Quando você vai, Sarah?
Simples. Direto. Ele despertava sua admiração.
- Agora.
Silêncio. Incômodo. Ele a sufocava.
- Eu quero ir agora.
- Tudo bem, Sarah.
Ainda sorrindo. Confortador. Ele a encantava.
Ela não sabia o que dizer.
- Você tem certeza, Sarah?
Ele despertava sua paixão.
O brilho aumentara?
- Eu gostaria que você ficasse, Sarah.
Adoração.
- Eu gosto tanto de você, Sarah.
Veneração.
- Eu te amo, Sarah.
Ilusão.
E aquele brilho insuportável. Era parte do efeito.
Ela precisava ser firme, ser forte.
- Eu quero ir. Agora. E, por favor, se você me ama mesmo, não diga mais nada.
Sorrindo ainda.
- Como queira, Sarah. Posso só te perguntar...
- O motivo?
Era a vez dela de completar. De já saber.
- Sim... Sarah!
- Eu cansei. Cansei de estar aqui por você, enquanto o mundo desaba. Eu preciso ter a minha vida.
- Eu compreendo, Sarah.
Sempre compreensivo. Sempre arrebatador.
- Estou indo.
Aproximou-se. Devagar. Beijou a face dele. Abraçou-o. Ele correspondeu ao abraço. Calorosamente. O calor vinha só dele ou era culpa de toda aquela luz?
Em frente a ele, sorriu.
- Obrigada. Por tudo.
Sem resposta.
Saiu. Caminhava até a porta.
- Sarah!
Voltou-se. Esperando a palavra final dele. Por um momento, mesmo sabendo que sofreria depois, quis que ele a impedisse de ir.
- Sim...?
- Você vai se esquecer de tudo. De tudo o que vivemos. É o que acontece quando as pessoas saem daqui, Sarah!
Ela não tinha certeza de que queria esquecer.
- É como se eu precisasse ir. Só isso.
- Tudo bem, Sarah.
Ela não queria esquecer aquele sorriso. Não podia. Maldita hora em que decidira ir embora. Antes que ele percebesse a lágrima tola que se formava em seu olho, virou-se, mais uma vez, para ir embora.
- Sarah!
Ela parou, mas não se virou. As lágrimas já desciam pelo rosto agora, sem controle algum.
- Quando você sentir dor... ou quando as coisas não fizerem sentido para você... eu estarei aqui por você. Enquanto o mundo desaba. Eu sempre estive aqui por você. Só que você nunca percebeu, Sarah.
Fechou os olhos com força. Sussurrou: "eu te amo".
E, então, abriu os olhos. Chorara enquanto dormia. De novo. Não conseguia lembrar do sonho, só de muita luz e de um sorriso inebriante.
De camisola, caminhou até a janela. Nevava. Tinha tanta, mas tanta coisa para resolver em sua vida. Talvez chorasse por isso. Mas costumava acordar com uma sensação boa. Como se, em algum lugar, existisse alguém que sempre estaria ali por ela, enquanto a neve caía. Enquanto o mundo desabava.
Voltou para a cama e dormiu.

sábado, 7 de novembro de 2009

e aí o neruda me disse:




"Você deve ser a pior jornalista deste país, filha. É incapaz de ser objetiva, coloca-se no centro de tudo, e suspeito que mente bastante e quando não tem uma notícia, inventa-a. Porque não se dedica antes a escrever romances? Em literatura esses defeitos são virtudes."

(Pablo Neruda disse isso a Isabel Allende. Mas poderia ter falado pra mim... É que não tivemos a oportunidade de um encontro.)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

micro conto patético

ele sempre dizia "eu nunca vou desistir de você".
ela ficava encantada.
ele desistiu.
fim

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O dia em que eu revi os smurfs



Quando eu era pequenina, bem pequenina, eu tinha verdadeira adoração pelos smurfs. Era meu desenho preferido, eu tinha bonequinhos... Não preciso nem dizer que eu achava que eles existiam de verdade.
Um belo dia, minha mãe (também conhecida como Sra. Melhor Mãe do Mundo), me levou pra assistir a uma peça dos smurfs. E lá estava eu vendo aquelas criaturinhas azuis. NA MINHA FRENTE! Pertinho. Tão real, tão de verdade... E a casa do Papai Smurf girava no palco e eu podia ver dentro. Era tão, mas tão mágico!
Do alto dos meus 3/4 anos, me encantei por completo. Passei a peça toda de boca e olhos arregalados, com aquele brilho no olhar que a gente tem só quando tem até 1 metro de altura e acorda na manhã do dia 25 de dezembro e encontra a árvore de Natal LOTADA de presentes reluzentes.

Eu achei que nunca mais fosse me sentir assim, que esse encantamento fosse parte da infância e que, passando de 1 metro (não muito, aliás), a gente perdesse essa capacidade de enxergar a mágica e arregalar olhos e boca o máximo possível, incontrolavelmente.

Sábado passado eu fui assistir ao Grupo Galpão, no Parque da Independência. A peça era "Till". Um lugar aberto, milhares de pessoas, lua quase cheia, clima ameno. Eu, sentada no chão, na lateral do palco, com vista privilegiada de peça e bastidores.
E, de repente, com menos de 20 minutos de peça, aconteceu. Meus olhos foram se arregalando, a boca idem. Logo, chegou o brilho de visão natalina. Aquilo era ainda melhor do que todos os presentes que o bom velhinho poderia me dar.
Era uma perfeição de texto, interpretação, vozes, efeitos, cenário, figurino, música, maquiagem... E luz, e cor, e som e fúria.
Me senti com 3 anos.
Me senti no dia 25 de dezembro.
Me senti revendo os smurfs.
"Lala-la-la-la-la, sing a happy song..."
Encantada.
O Grupo Galpão é pura mágica.
O mediador de um vislumbre mais alto.
E, ainda bem, eu estava preparada para receber a mensagem desse vislumbre.

O encanto mágico do teatro, num sentido mais amplo, está na capacidade inexaurível de apresentar-se aos olhos do público sem revelar seu segredo pessoal. O xamã que é o porta-voz do deus, o dançarino mascarado que afasta os demônios, o ator que traz a vida à obra do poeta - todos obedecem ao mesmo comando, que é a conjuração de uma outra realidade, mais verdadeira. Converter essa conjuração em "teatro" pressupõe duas coisas: a elevação do artista acima das leis que governam a vida cotidiana, sua transformação no mediador de um vislumbre mais alto, e a presença de espectadores preparados para receber a mensagem desse vislumbre.
(Margot Berthold)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

faz parte do meu show

- eu contei.
- e ele?
- não sei.
- como assim?
- não vi ele depois. ele não ligou.
- mas o que ele fez na hora exata em que você contou?
- eu não sei.
- você fechou o olho?
- eu escrevi numa carta.
- ah, não me diz que foi em folha de caderno.
- foi.
- com caneta bic?
- aquelas de 4 cores.
- isso é tão a sua cara.
- é.
- mas como você fez? entregou, disse "tó" e saiu correndo?
- não. ele tava dormindo. deixei do lado da cama, dei um beijo nele e saí.
- isso é tão filme da sessão da tarde.
- é.
- e o que você escreveu?
- pouca coisa. tinha uma letra de música.
- isso é tão anos 80.
- é.
- não precisa dizer que música era, mas, de quem era?
- cazuza.
- meu deus! você é tão anos 80.
- é...

domingo, 1 de novembro de 2009

brincar de twitter fake é vida!

- @fantasmadapublicitariadefunta adivinha quem voltou?
- @vacaverde nao tenho ideia!
- @caldeiraozinho Quem voltou!!?
- @esquilowithlasers WHAT THE FUCK????
- @ghostthug qqqq
- @van_do_scoobydoo não tô entendendo nada!! #comofas
- @yozombie Nem eeeeuuuu #mafiawarsdocapeta
- @default_don oi?
@capeta que minha o q? tá louco? #mafiawars
@default_don2598 pq tem tantos default dons por aqui, hein?
- @defaultDONNA OI!!!!
@ghostthug BOOOOOOOO!
- @default_traveco_donnah_butterfly OOOOOOOOOOOOOOOOIÉEEEEN!
@maodofrankensteincomfichasdepoker oyu eru digtito oyu larfgo asd fgichas der polker
- @montanharussaquebrada cuidaaaaaaaaaaadoooo to quebradaaa genteee
- @gordinha tá bom, fui eu que quebrei a @montanharussaquebrada . #prontofalei
@yozombiesemcerebro dãããããããããããar
- @zynga CHEGA!
- @esquilowithlasers moçada, o boss chegou. parou a palhaçada aí.
@capeta isso aí! parou. e, se não parar, vai todo mundo pro #inferno
@default_don oi?
@yozombiesemcerebro dãããããããããããar
(...)
- eu preciso fazer uma coisa AGORA
- OQ

fiz.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ela queria...

Acordou com o celular tocando.
- Oi! Já tá acordada?
- Você acabou de me acordar.
Risos.
- Então, já que você tá acordada, posso ir praí?
- Achei que você viesse mais tarde.
- É. Já tô esperando um tempo pra te ligar.
- Vem.
Desligou e olhou no relógio. 10h40. Tinha dormido antes da 1h da madrugada e ainda tinha sono. A ligação, vinda de quem provavelmente tinha dormido bem mais tarde, fazia pouco sentido naquele horário.

Mais tarde, em frente ao computador, em tom de confidência, disse baixinho:
- Acho que fiz besteira ontem.
- O que você fez? - fingiu desinteresse, mas tinha medo de ouvir.
- Então, fiquei com X.
- Ah. - o desinteresse sempre era sua forma de disfarçar.
- Eu não queria.
- E pq ficou?
- Não sei... X queria...
- Sei. - ainda o disfarce.
A mãe falou algo da cozinha. Ela foi até lá. Fim da outra conversa.

Mais de um ano depois, lembrou desse dia. Da ligação na noite anterior, quando estavam separados há só meia hora, "lembrei de você". Da ligação de manhã, tão cedo, "posso ir praí?". Era tanto, era tão intenso. E já não existia mais.
Lembrou da outra conversa.
"X queria...".
Jamais entenderia o motivo da diferença.
Ela também queria...

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

quando é cômodo não saber

- minha irmã falou... tudo bem minha irmã saber?
- ah, vc contou? tudo bem...
- não contei, não.
- ai, ela percebeu, é?
- é.
- bom, tudo bem. sua irmã é bacana. mas como ela percebeu?
- sabe aquele dia que a gente tava no ônibus?
- sei.
- então... ela viu pelo jeito que você falava. sua voz, seu jeito. e vc mexia no cabelo.
- mexia, é?
- é. e ele ligou várias vezes num espaço de tempo bem curto.
- é.
- e, depois, quando a gente tava indo embora, que tinham várias ligações não atendidas dele e aí vc ligou correndo...
- saquei. não era normal, né?
- não. quer dizer, era... mas...
- não entre amigos. sei.
- aí ela desconfiou... e começou a reparar mais, qdo via vocês. teve aquele dia, logo depois. aí ela teve certeza.
- ah, sei. pq eu tava fazendo aquelas coisas todas e... enfim..
- é.
- mas era uma ocasião atípica.
- hmm... mais ou menos.
- é, não era. mas tudo bem ela saber.
- bom.
- afinal... quem não sabe, né?
- ele?
- na boa? ele sabe.
- (silêncio)
- é que é mais cômodo não saber.
- é.

*conversa perdida no tempo*

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A melhor. E ponto.

O assunto era A Invasão, que reapresentaríamos pela última vez naquela noite.

- Cada dia é uma versão diferente. - disseram.
- E qual vai ser a versão de hoje? - perguntaram.
- A melhor. - eu disse.

Acho a peça uma porcaria, sempre achei. Já na primeira vez tivemos problemas, alterações no elenco, desaparecimentos, ameaças e palhaços macabros. Pra reapresentar foi um sufoco. Ensaio com elenco completo? Impossível! E toda hora alguém pedia pra sair (ficaram com medinho?), alguém desistia. Cerca de 3 semanas antes da apresentação, novidade! E lá fui eu mudar de personagem...

E, mesmo com tudo isso, o sábado foi bom. Foi muito bom.

Domingo era a última. E aquele grupo era o melhor. Fato. Sem dúvida, o melhor grupo em que eu já estive. Pq ninguém estava lá por obrigação, pra terminar semestre, tirar um B, mudar de PA, acabar o curso, tirar DRT e ir pra Malhação. Todo mundo estava ali por querer estar e só. Por gostar do que fazíamos. Por amor ao teatro, por mais piegas que isso seja. Por paixão. Pura e simples.

Um grupo especial. Unido. Uma comunhão incrível. E, o melhor, um grupo que estava se divertindo. Que brincava no camarim. Que brincava em cena. Que embalava uma vaca de pelúcia da Parmalat como se fosse um bebê. Que chamava Gorila de macaco. Que segurava o riso quando ouvia "Deputado Deodato Hanashiro Nakagawa".

Um grupo de profissionais. Mesmo.

E um grupo de amigos.

Quem viu as duas versões, preferiu a do reapresenta.

E a versão de domingo foi, de verdade, o que eu previra: a melhor.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

como não usar o twitter

aviso: a censura foi necessária.

- ela pisou na bola comigo quando eu mais precisei.
- eu sei.
- bom, você lembra a situação.
- lembro.
- e ela tinha dado certeza.
- eu nunca daria.
- pois é, não tivesse oferecido, né? aí eu não tinha o que fazer. não tinha crédito, não tinha acesso a e-mail, não tinha ninguém no MSN. pânico total. e eu não podia ir pra casa, de jeito nenhum. tinha o twitter, mas o que eu ia fazer?
- você não poderia tuitar isso.
- nunca! imagina: não posso voltar pra casa, preciso de um lugar para dormir.
- melhor: preciso de um lugar para dormir, pois XXXXXXXX uma XXXX dizendo XXXXX.
(risos)
- melhor ainda: preciso de um lugar para dormir, pois XXXXXXXX uma XXXX dizendo XXXXX para @xxxxx.
(mais risos)
- que tal? preciso de um lugar para dormir, pois XXXXXXXX uma XXXX dizendo XXXXX para @xxxxx. RT, por favor.
(toneladas de risos)
- eu devia ter feito isso.

(tks, best, por me proporcionar as melhores conversas!)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

chacrinha, tim maia e 3 nelsons


- quero muito ver o filme do chacrinha. ah, uma vez, quando eu morava na maria antônia...
- vc morou na maria antônia antes?
- morei. morei na rua toda, aliás. então, aí eu morava lá com minha irmã e um dia ela chegou em casa à noite com cara de passada e disse "eu acabei de ver o chacrinha na escada!".
- oi?
- ela diz que viu um cara vestido de chacrinha, mas a gente desceu e não tinha nada.
- achei que ela tivesse visto, sei lá, o fantasma do chacrinha.
- medo.
- eu conheço alguém que trabalhou na casa que era do tim maia. dizem que é assombrada.
- deve ser legal o fantasma do tim maia. cantando o tempo todo.
- ah, mas parece que ele era bem chato. vc leu a biografia dele?
- não, é boa?
- é. é daquele, nelson... motta?
- ah, sei.
- eu gosto mais de autobiografias do que de biografias, mas é legal.
- eu gosto de ambas. queria ler a do nelson.
- que nelson?
- rodrigues.
- ah, vai saber? tem tanto nelson... podia ser o motta, o...
- podia ser o nelson ned.
- é. podia.
- a vida dele ia ser cheia de altos e baixos.
- que piada infame!
- é, a pior.
- podia ser pior. vc podia dizer que era cheia de baixos só.
- ou uma vida cheia de baixos e baixos.
- é.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

And it feels like... home.

Revendo Sala de Espera, entendi pq ainda é minha peça preferida. Não é pq o Ferdi aceitou a trilha sonora absurda, com direito a tema do "pião da casa própria", e mais uma dezena de sugestões bizarras minhas. Nem pq era meu gênero preferido. Nem por ser a peça preferida da minha família. Nem pq ouvir as risadas da plateia era uma delícia. Nem por tudo que aconteceu antes - complôs toscos - não darem em nada e eu ainda fazer 2 papéis. Nem pq interação com o público e improviso são duas das coisas mais divertidas do teatro, pra mim. Nem pq foi a primeira vez que eu tive a oportunidade de escrever e ainda encenar minha própria dramaturgia, ohmy! Por nada disso, embora sejam motivos fantásticos.

É pq não teve clima gostoso de camarim. Nada de conversas, risadas, saídas pra comemorar. Nada de todo mundo se abraçando, antes e depois. Nada de espírito de grupo.

É pq foi em um momento tão, mas tão difícil pra mim. Momento de descobrir coisas, de entender e não entender. De término, distância. de perder confiança, de deixar de acreditar, de não ter apoio, base, companhia. De esperar e não ter. De chorar, chorar, chorar... tudo que podia... antes do ensaio. Pq lá eu era tão forte e tava tudo tão bem e eu fingia tanto que minha vontade não era dizer "falacomigosejameuamigodenovomeabraçaporfavor".

E pq foi a única vez em que eu estive sozinha. Só eu e Sílvia. E Cyndi, ou visitante X (1? 4? não lembro!). Só eu e o figurino e o palco e as luzes e o som e a cena. E, então, eu descobri que eu podia não ser tão boa em tantas coisas, como tantas pessoas. Mas eu era profissional. E eu respeitava aquele espaço. Sagrado. E eu fazia o melhor que podia, deixando tudo que não pertencia ao palco, no lugar certo: fora do palco.

E foi aí que eu me encontrei. Eu, meu lar. E não há lugar como o lar... Pq quando você conhece sua mente, seu coração e sua coragem, você nunca - em hipótese alguma - se afasta do seu lar, pq ele está dentro de você.

Quanto aos tornados? Podem vir! E que venham também os tormentos. O tormento. No Kansas ou em Oz; here, there and everywhere, eu estou em casa.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

roland-sabe-tudo

“-Então, por que não quer olhar para lá? – Susannah perguntou.

- Porque é um problema – disse Roland – e está na nossa estrada. Vamos chegar lá quando for a hora. Não é preciso viver o problema antes de o problema começar.”

terça-feira, 29 de setembro de 2009

As crianças do jardim de infância

Dia desses, tava no mexicano (arriba!) com a Msla e o Lauri. Conversa vai, conversa vem, chegamos ao tema que, aparentemente para ambos, é pura diversão e pode ser definido como “minha briga com a Tally”.
Além de ambos terem se formado comigo e serem duas das pessoas mais fantásticas que eu conheci na vida, eles têm isso em comum: brigas e longos períodos sem falar comigo. Ela, cerca de 1 ano. Ele, o triplo disso.
E, então, lá estava ele, em meio a chilli fries, falando sobre a conversa do MSN que eu mandei pra ele há pouco tempo. Tal conversa ocorreu quando nós já estávamos brigados e sem conversar. Foi naquela fase em que o ex-amigos querem reaparecer só pra machucar, pq pensam que não é justo só eles estarem sofrendo (acreditem, os dois sempre estão sofrendo muito; só que a gente só conhece a própria dor). E a conversa – inútil e imatura e mil vezes cruel – tinha lá um ponto surreal: “você é feia!”, “você é gordo!”. Oi? Fora de contexto isso certamente seria inserido em uma cena de jardim de infância, céus! E eu guardei essa conversa (guardo muita coisa no meu gmail arraso!) e mostrei pra ele recentemente. Ele riu, eu ri. Na mesa do mexicano, logo depois dele ter contado, nós três rimos muito (óbvio!).
Hoje eu estava em um dia meio deprê (por muitos motivos... enfim...). Fui conversar com o Davi no MSN.
Antes, alguns fatos sobre o Davi: ele é absurdamente divertido, toda conversa com ele garante boas risadas. Tb é um dos meus grandes amigos (e foi o mais próximo, durante um certo tempo). E nós tb brigamos e ficamos anos sem contato.
Pausa: algo muito legal que eu aprendi com o tempo foi que amizades “terminadas” normalmente voltam a existir do nada e melhores. Do nada? Não sei... Prefiro acreditar que tinha que ser assim...
Pois bem... Estou lá conversando com o Gansão (eu simplesmente gosto de chamá-lo assim) e ele solta:
- ... você lembra pq a gente brigou?
- Eu não lembro que dia é hoje. Responde?
Bom, momento de voltar ao passado, óbvio. Entre fatos cômicos e muitas divergências de interpretação dos acontecimentos, percebi que brigamos por coisas bobas. Por coisas que deixaram de ser importantes no jardim de infância. De novo.
Até então, o que eu aprendi? Que a gente briga muito por bobeira. Muito mesmo! E que a gente devia perceber isso mais cedo. Pedir desculpas mais cedo. Desculpar mais cedo. E perder menos tempo das pessoas importantes. Eu perdi anos de conversas, passeios, abraços, conselhos, carinhos e risadas dessas 3 pessoas queridas. E não é que eu me arrependa do que aconteceu... Eu sei que tudo que existiu no passado me fez ser quem eu sou hoje e, por isso, é válido. Eu só penso se “anos” não é muito tempo, se a gente não podia ter ficado só em “meses” ou “dias”, tempo mais do que suficiente pra “poeira baixar” e a gente se dar conta do valor daquelas pessoas.
Pausa: a partir de agora, minha meta é não chegar a “meses”.
Essa semana eu recebi um email. Totalmente inesperado. E confuso. Informação importante: a pessoa que enviou o email já foi uma das minhas grandes amigas e eu não falo com ela há espantosos 8 anos. E, de repente, lá estava o email. Confuso, mas bacana. Surpreendente, mas uma surpresa espantosamente boa.
Ela falava em culpa, em coisas blé do passado. E eu me peguei pensando em uma história que já era praticamente esquecida... Eu sabia que tinham coisas péssimas no passado, mas... quais? Sim, eu tive raiva. E qual foi o motivo? Não lembrava... Consegui pensar em 2 ou 3 grandes bobeiras – as tais coisas do jardim de infância. Mas, quando parei pra lembrar, a lembrança mais forte era de nós duas rindo. Rindo muito. Quando me esforcei por uma lembrança mais específica, ouvi a voz dela dizendo “Você é tão engraçada...”. Eu descobri que era engraçada aí. E, nesse momento, ela foi muito importante na minha trajetória. E nenhuma lembrança péssima.
Grande descoberta da semana: eu não sou rancorosa. Sempre achei o contrário, confesso. A best diz que minha memória é assombrosa, que eu lembro detalhes mínimos dos acontecimentos. É, eu sempre fui assim. E, por isso, achava que rancor e mágoas eram constantes na minha vida. Surprise, surprise: não são! Eu tenho facilidade em esquecer os aspectos negativos de “confrontos” do passado e reter só as boas lembranças.
E, então, em meio a tantas indas e vindas, fins e recomeços, coisas repensadas e – ainda bem! – um saldo bem positivo de tudo isso, fico tensa só em pensar se não pode ser prejudicial essa tendência a esquecer coisas ruins e manter vivinhas na memória as coisas boas. É que tem amizades que terminam por motivos diferentes dos do jardim de infância (ou não... vai saber...). É que tem horas que a gente sente uma saudade tão grande e precisa tanto lembrar de coisas ruins para doer menos. E aí, mesmo relendo emails antigos (alguns bem cruéis), mesmo pensando em tudo que machucou e machuca, mesmo já tendo os olhos ardendo de tanto chorar, mais forte que tudo, fica sempre a sensação de estar perto, lado a lado, as vozes baixas dividindo problemas (que diminuíam...), o alívio chegando, acompanhado do sorriso confortador e dos (grandes) olhos que prestavam atenção de verdade (tão raro hoje em dia, essa atenção...)... e terminando nas risadas. Sempre. Num futuro, eu quero isso; quero só as lembranças boas. Mas... agora?... Sei não... Sei que talvez as lembranças ruins (os anzóis que machucam) sejam mais protetores...
E sei que, por meta, eu não devia deixar chegar a “meses” (ainda mais qdo já chegou uma vez). Mas tem coisas que independem de mim...

sábado, 26 de setembro de 2009

Home is knowing

Scarecrow: Success, fame, and fortune, they're all illusions. All there is that is real is the friendship that two can share.
Dorothy: That's beautiful! Who said that?
Scarecrow: [modestly] I did.

Scarecrow: I'll think about you all the time, Dorothy!
Tinman: And I'll miss you... every day. Even if I had to go back to that junk pile... even as teeny's seat cushion... I wouldn't mind... because I have known... real love.
[
cries]
Dorothy: Aww... don't rust yourself now.
[
wipes away the tears]

Glinda the Good: Hello, Dorothy.
Dorothy: Please, is there a way for me to get back home?
Glinda the Good: Well, Dorothy, you were wise and good enough to help your friends to come here and find what was inside them all the time. That's true for you, also.
Dorothy: Home? Inside of me? I don't understand.
Glinda the Good: Home is a place we all must find, child. It's not just a place where you eat or sleep. Home is knowing. Knowing your mind, knowing your heart, knowing your courage. If we know ourselves, we're always home, anywhere.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O feixe

“Por que tem de me ferir, se gosto tanto de você? Se não posso fazer nem querer nada mais, pois o amor tomou conta de mim, me alimentou e foi o que me sustentou em dias melhores? Por que vou me cortar, desfigurar meu rosto e me encher de pesar? Eu apenas o amei por sua beleza como você me amou pela minha nos dias em que o mundo ainda não seguira adiante. Agora você me marca com unhas e derrama gotas ferventes de mercúrio no meu nariz; tem mandado os animais para me atacar, assim é, e eles têm comido minhas partes mais tenras. Ao meu redor os can-tai se agrupam e do riso deles surge a paz. Contudo, eu ainda o amo e o serviria e traria de novo a mágica se você me deixasse, pois foi assim que meu coração foi forjado quando saí do Primal. E antigamente eu era forte, assim como era bonito, mas agora minha energia está quase acabada. Se a tortura parasse agora, eu poderia me recuperar... se não a aparência, pelo menos minha energia e minha kes. Outra semana... ou talvez cinco dias... ou mesmo três... e será tarde demais. Mesmo que a tortura pare, vou morrer. E você vai morrer também, pois quando o amor abandona o mundo, todos os corações se calam. Fale a eles do meu amor, fale a eles da minha dor e fale da minha esperança, que ainda vive. Pois isto é tudo que tenho, tudo que sou e tudo que peço.”

domingo, 13 de setembro de 2009

Pérolas do Tio Peter


“Então meu pai perguntou-me: ‘O que você preferiria, um centavo dourado e brilhante ou seis centavos cinzentos e sujos?’. Fiquei atordoado com a pergunta; podia sentir que havia nela um certo ardil, mas eu sempre optaria pelo centavo brilhante.”

“Sempre levamos conosco, a qualquer lugar que vamos, toda a nossa vida.”

“Cheguei à inesperada descoberta de que o momento crucial, que pode nunca mais voltar a acontecer, está acontecendo a todo o tempo.”

“Nada em um espetáculo teatral é mais importante do que as pessoas das quais ele é composto.”

“Se se é paciente e, acima de tudo, respeitoso, as coincidências acontecem, e as portas abrem-se por si mesmas.”

“O sentido mais preciso da vida é sempre encontrado na presença da morte.”

“É difícil porque é difícil.”

(só pq hoje eu pensei muito em Peter Brook)

sábado, 12 de setembro de 2009

É difícil porque é difícil

A discussão era sobre traição.

A experiência dela – pouca... mínima – não permitia que ela emitisse qualquer julgamento. Trairia? Como reagiria diante de uma traição? Não sabia e não tinha como saber. Sabia em que acreditava: que havia ocasiões e ocasiões. Ocasiões em que poderia haver perdão e ocasiões em que tortura seguida de morte seria o mais leve dos castigos. Preferiu o silêncio.

Até o momento em que ouviu a expressão “traição entre amigos”. Neste momento, foi como se mil engrenagens começassem a trabalhar a todo vapor em sua mente. A traição entre amigos é absurdamente mais ampla do que todas as outras traições. Quando se está em um relacionamento amoroso, trair é basicamente se envolver com outra pessoa. Dentro de uma amizade, trair é muito mais. Tudo que resulta em desrespeito, tudo que machuca, tudo que abala a confiança... tudo pode ser encarado como uma traição.

E essa traição ela conhecia. E bem! Já havia sido desrespeitada, machucada por tantos pretensos amigos. Já confiara em vão por vezes infinitas.

Um dos pontos mais complicados da traição entre amigos, ela sabia bem, é que há uma quase obrigação em se perdoar. A gente se torna quase santo, esquece, finge que não vê, se esforça de forma sobre-humana para preservar uma relação com amigos. Talvez por ser a amizade a forma mais pura de amor, a mais incondicional. Em família, apesar de tudo, há a convenção do sangue, embasando uma relação. Entre um casal, há o desejo, a recompensa física. Entre amigos? Não há nada. Há o amor puro e simples. Obrigando a perdoar, a aceitar, a esquecer. A conviver com o que quase não dá para se conviver.

(E, enquanto pensava tudo isso, ela nem sabia que, mais uma vez, estava sendo traída.)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Parada e transição

Começou com o banho de sol. Queimando, aquecendo, energizando.

Aí foi o choro. Até a última gota, pra acabar e não voltar.

Filmes.

Banho de chuva. Limpando, levando, refrescando.

Família, fundamental.

Cabelo. Mudando, encurtando, colorindo...

Lisístrata. Turma nova, primeira montagem. E como isso foi importante... Ter, de novo, aquela energia da primeirona, aquela empolgação. E, ao mesmo tempo, perceber o quanto as coisas mudam em tão pouco tempo, entre a primeira e a quarta. Dimensão exata da evolução. Incrível!

Almoço e passeio pelo shopping.

Chicago. Bacana, lição de produção.

Conversa extremamente importante pelo MSN (e, talvez, a pessoa nunca saiba o qto foi importante naquele momento).

Ensaio. Com as pessoas incríveis.

Aula. Com as pessoas incríveis.

A decepção de ter pouco do texto de Woody Allen cede lugar à possibilidade – rara, se não for única – de encenar meu próprio texto. Qtas pessoas farão Woody Allen esse semestre? Só na minha turma, 15. E qtas farão seu próprio texto? Eu...

Sorvete, nhami.

Relaxamento na aula mais chata, pra ficar tudo perfeito.

Pefffinha excelente do ex-diretor querido, que agora tem cabelos loucos.

A balada não rolou, mas o karaokê, sim. E foi muito melhor. Lá estavam, de novo, pessoas incríveis. E a gente riu, riu, riu, riu... Noite fabulosa!

Total eclipse of the heart se torna minha música oficial de karaokê. Fato.

Turn around...

E KLB no karaokê é... vida! Devolva minhas fantasias... devolva meu ar.

Feriado no Ibirapuera, o parque da infância.

Ler Lisístrata na sombra de uma árvore, sentindo o ventinho...

Comer cachorro-quente na floresta encantada dos emos...

Passear no fim do dia...

Pra encerrar, conversa pra acertar. Pra consertar, pra retomar. E pra que eu descobrisse que o que importa, não muda. Mesmo.

De bônus, mexicano com os melhores mackenzistas ever, numa terça chuvosa.

É...

Feriado da independência.

Realmente.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Está amargo - muito amargo.

Eu não lembro em que livro do Stephen King li esse poema. Era a introdução de algum. O que importa é que esse pequenino texto sempre mexeu muito comigo.
Passei essa semana toda pensando nele.
E, ontem, quando depois de meses e meses, vi Roland finalmente chegar à Torre Negra (e, sim, fiquei passada. e, sim, mudou minha vida. e, sim, recomendo.), pensei, de novo, nestas palavras. Dessa vez, com mais força.
Commala-venha-venha.
Ka.


"No deserto,
Vi uma criatura, nua, bestial,
Que, agachada no chão,
Tinha nas mãos o coração,
E dele comia...
Perguntei, "Está gostoso, amigo?"
"Está amargo - muito amargo",
ele respondeu,
"Mas gosto disso
Porque é amargo
E porque é meu coração."
(Stephen Crane)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Pq eu fui fazer teatro?



Todo mundo deve ter percebido o quanto me apaixonei pelo teatro nos últimos anos, o quanto me encontrei nesse mundo mágico.

Muitas pessoas sabem que nos meus 15/16 anos, eu já tinha feito aula de teatro. Na escola, na roça, mas com um professor incrível (o grande Bira). Entrei por acaso. Minha irmã, que é aparentemente menos tímida do que eu (na verdade, é uma fofura de tão jeca e eu sou beeeem mais “descolada” que ela, mas, enfim, eu uso óculos e isso define tudo), começou a fazer o curso. Eu, que estava no terceiro colegial, não podia fazer o curso. A escola – ridícula, hoje percebo – achava que em ano de vestibular, os estudantes devem se concentrar em estudos e coisas sérias. Como se não se estudasse teatro e não fosse “sério”. Fui só pra acompanhar minha irmã, pq ela dizia que era super legal. Não saí mais. Quando acabei o colegial e saí da escola, continuei, por um tempo, com o Bira, num curso/grupo. Até que o Bira foi embora. E, com ele, o teatro na minha vida.

Pausa: Nas aulas do Bira trabalhamos um texto insano que eu amava. Pesquisei (santo Google!) e acabei de descobrir que esse texto chama “O Defunto” e é de um dramaturgo francês e é teatro do absurdo. Que é só meu gênero preferido hoje, agora que eu conheço melhor. Incrível!

Bom. Anos se passam. Muita coisa acontece. Em 2006, eu começo a falar em voltar a fazer teatro, a procurar cursos. No final do ano, meu pai me dá de Natal a matrícula. Em 2007, começo. Por começar. Terapia. Mas não paro. Em 2008, ao som de “Mad World”, de vestidinho azul e trancinhas, na beirinha do palco, vendo o público entrar, percebo que não vou conseguir parar. Talvez nunca. No final do ano, depois de meses desgastantes, problemas pessoais, saio do palco e tiro o sapato vermelho. Meu pé sangra. Dói. E eu não havia sentido nada em cena. Em meio ao caos que rondava minha mente naquele momento, me encontro. Era isso. Era isso que eu queria pra mim. Todo o pacote, incluindo as dores, os pés sangrando.

Entre o Bira sumir e eu perceber que precisava voltar, existe algo importante. E, pra explicar, eu preciso voltar muitos e muitos anos no túnel do tempo.

Eu passei minha infância, pré-adolescência, adolescência e tudo mais sendo a irmã mais velha de duas irmãzinhas. E minha maior alegria era entretê-las. Era contar historinhas, fazendo vozes diferentes para cada personagem. Inventar histórias loucas. E fingir. Fingir que era bruxa, princesa, fada, macaco, retardada mental, monstro, corcunda. Fingir pra assustar, fingir pra ouvir a gargalhada delas. Minha mãe me via de dentadura de vampiro, lençól amarrado como capa e óculos escuros (era a época de Vamp, minha gente) e dizia “Essa menina vai acabar fazendo teatro!”. E, de repente, lá vinha a Bruna correndo, dando gritinhos e a Dan rindo, rindo e, atrás, eu arrastando uma perna, com o corpo todo torto e grunhindo, e Dona Denise dizia “A Tata vai acabar sendo atriz...”. Não, eu não ia. Eu sepre fui tímida. Fazer aquele tipo de coisa na frente de todo mundo? Num palco? NO WAY!

Por isso, quando o Bira sumiu, eu não senti necessidade de procurar outro curso, de continuar fazendo aquilo. Pra que? Eu jamais faria aquilo de verdade, né?

É. Até 2005, era. Em 2005, tudo mudou. Minha vida mudou. Por inteiro. E a Bruna, minha princesinha, virou estrela. Encantou-se. Princesa Estrela.

Tudo doía. Entre tudo, algumas coisas eram particularmente difíceis. Não ter pra quem contar a história da lagartixa que queria virar jacaré. Não ter com quem dançar thriller. E não ter com quem fingir que era hare khrisna. Eu podia ser bruxa, fada, princesa, corcunda, vampira... Ninguém mais ia achar graça. Ninguém mais ia rir e apertar os olhinhos em formato de vírgula. Eu tinha perdido uma irmã e a graça. Eu era uma pessoa sem graça.

E eu precisava de um lugar em que pudesse voltar a ser bruxa, princesa, macaco, monstro, corcunda... Menina de 10 anos malvada, secretária neurótica, mulata gostosona. Eu precisava encontrar uma forma de fingir ser outras coisas sem precer uma lunática. Eu precisava do teatro.

E, ali, no palco, eu tenho certeza de que a Bruna está me vendo. Eu vejo os olhinhos de vírgula ficando pequenos de tanto rir. Minha gratidão por todo o público é imensa, mas quando eu tô no palco, o que eu faço ali, é pra ela. É pra ouvir ela rir de novo.

(o que tb deve explicar pq eu gosto tanto de comédias e pq eu sempre acabo dando um tom cômico às minhas personagens)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Essas criaturas fantásticas que eu sou

O cara me manda um email pedindo resenhas de filmes.
Ok.
Aí coloca 2 mil regrinhas bobas.
Já não gosto. Não gosto de regras que limitam o ato de escrever.
Mas aceito.
E, então, ele me pede um texto de apresentação.
Escrevo.
Ele me diz que não quer romantismo, que não tem a ver com o que ele quer.
Eu digo que se meu estilo não tem a ver com o site, melhor deixar pra lá.
E fico sem entender como se escreve sem se envolver.

Só pra constar: achei o blog bem chatinho.... Enfim...

Esse era o texto de apresentação:

A proposta era falar um pouco sobre quem eu sou. Eu poderia dizer tanta coisa sobre mim... Poderia dizer que sou jornalista por formação, redatora por profissão, escritora por vocação e estudante de teatro. E, no fundo, isso não diz muita coisa sobre quem eu sou. Poderia dizer que eu sou taurina, que eu sou a irmã mais velha, que eu sou teimosa... Nenhuma dessas possíveis descrições mostra exatamente quem eu sou. Já que é pra falar de cinema, eu poderia dizer que minha primeira lembrança cinematográfica é de ET – O Extraterrestre ou que o filme da minha vida é Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Também não me descreve ainda. O que me descreve? Talvez algumas personagens fantásticas...

Eu sou um pouco a menina Dorothy Gale, perdida em uma terra estranha (Oz, ou não) e buscando encontrar um caminho pra casa. Percorrendo a estrada de tijolos amarelos da minha vida, com uma fé tremenda em um suposto mágico que teria todas as soluções pros meus problemas. A menina que fugiu do tornado na pequena fazenda do Kansas e nem percebeu que o tornado estava ali, dentro dela. No coração, na cabeça e na coragem (e ela, ao contrário dos companheiros de jornada, tinha muito dos três).

Eu sou um pouco Scarlet O´Hara, lutando pelo meu espaço e por minhas crenças e passando por cima de tudo nessa luta. Tentando preservar o patrimônio da minha família, errando, sofrendo e jurando, com Deus por testemunha, que nunca mais passarei fome de novo.

Eu sou um pouco Mary Poppins, com a ideia de uma missão de levar mais fantasia a crianças. Ela era babá, eu escrevo histórias infantis, mas, no fim, acho que temos a mesma vontade de espalhar magia e encanto, de fazer o mundo infantil mais feliz e animado, mais.... supercalifragilisticexpialidoce!

Eu sou um pouco Gracie Hart (a Miss Simpatia, pra quem não lembra), atrapalhada, tendo que me dividir entre o lado que acha que as mulheres mandam e defende certas causas e o meu lado mulherzinha, que adora livro de miss (sim, O Pequeno Príncipe) e só deseja a paz mundial.

Eu sou um pouco Margot Channing, acreditando na bondade das pessoas (e, conseqüentemente, me dando mal por causa de meia dúzia de Eves que aparecem por aí) e descobrindo que o teatro é meu lugar preferido, meu cantinho sagrado.

E eu sou muito (mas muito mesmo) Clementine Kruczynski (a fabulosa Kate Winslet de cabelos coloridos do filme da minha vida). Todo mundo que me conhece sabe: sou impulsiva. Eu faço. Falo. Brigo. Confesso. Depois de tudo, paro e penso. Sou aquela overdose de cor e som e luz e fúria.

Juntando todas em uma única pessoa, que vive em um roteiro de Almodóvar, dirigido por Woody Allen... Bom, essa sou eu!

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Neverending...


"As paixões humanas são misteriosas, e aa das crianças não o são menos que as dos adultos. As pessoas que as experimentam não as sabem explicar, e as que nunca as viveram não as podem compreender. Há pessoas que arriscam a vida para atingir o cume de uma montanha. Ninguém é capaz de explicar por quê, nem mesmo elas. Outras arruínam-se para conquistar o coração de uma determinada pessoa que nem quer saber delas. Outras, ainda, destroem-se a si mesmas porque não são capazes de resistir aos prazeres da mesa ou da garrafa. Outras há que arriscam tudo o que possuem num jogo de azar, ou sacrificam tudo a uma idéia fixa que nunca se pode realizar. Algumas pensam que só podem ser felizes em outro lugar que não aquele onde estão e vagueiam pelo mundo durante toda a vida. Há ainda as que não descansam enquanto não conquistam o poder. Em suma, as paixões são tão diferentes quanto o são as pessoas.

A paixão de Bastian Baltasar Bux eram os livros.

Quem nunca passou tardes inteiras diante de um livro, com as orelhas ardendo e o cabelo caído sobre o rosto, esquecido de tudo o que o rodeia e sem se dar conta de que está com fome ou com frio...

Quem nunca se escondeu embaixo dos cobertores lendo um livro à luz de uma lanterna, depois de o pai ou a mãe ou qualquer outro adulto lhe ter apagado a luz, com o argumento bem-intencionado de que já é hora de ir para a cama, pois no dia seguinte é preciso levantar cedo...

Quem nunca chorou, às escondidas ou na frente de todo mundo, lágrimas amargas porque uma história maravilhosa chegou ao fim e é preciso dizer adeus às personagens na companhia das quais se viveram tantas aventuras, que foram amadas e admiradas, pelas quais se temeu ou ansiou, e sem cuja companhia a vida parece vazia e sem sentido...

Quem não conhece tudo isto por experiência própria provavelmente não poderá compreender o que Bastian fez em seguida.”

(A História sem Fim – Michael Ende)