domingo, 30 de setembro de 2012

Asas




O menino levantou da cama e acendeu o abajur. Tinha conseguido cochilar, mas agora acordava de novo e os gritos continuavam.

- Eu não consigo me perdoar pelo que eu fiz. O Senhor não me perdoará. Eu devia ter percebido; aquela mulher tinha a marca da besta. Eu fui ingênuo de pensar que ela mudaria... Os próprios pais dela não conseguiam discipliná-la. Sempre cantando e dançando, como se fosse uma... uma.... uma mundana qualquer.

A voz grossa e alterada do pai sempre o assustava. Não gostava do modo como ele falava de sua mãe... Olhou pela janela, para a escuridão. Todos, exceto ele, o pai e a madrasta, dormiam na comunidade. Amishes dormem cedo.

- Mas eu fui tolo. Oh, Senhor, porque me deixaste ser tão tolo. O maior erro da minha vida foi ter desposado aquela mulher. Ela me amaldiçoou. Sabe o que ela me disse em nossa noite de núpcias? Não, eu não deveria contar essas coisas pra você, minha esposa querida. Mas ela me disse que, quando eu chamava seu nome, era como uma prece. Blasfêmia! Como eu não percebi onde isso terminaria?

A madrasta não respondia. Nunca respondia. Era uma perfeita esposa religiosa, criada dentro da tradição. Ela apenas ouvia e fazia a manteiga para a família.

O menino percebeu que não conseguiria dormir mais... Pegou o saquinho na primeira gaveta e foi até o aquário. Sorriu para os peixes. Eram sua única companhia. Eddie Bluefish e Jimmy Dishwalla. Seus melhores amigos. Seus únicos amigos....

- Que Ele me perdoe pelo que eu vou dizer, mas seria melhor se ela tivesse perdido o filho. Ou se ele tivesse morrido no parto, junto com ela.

Ele gostaria que a mãe estivesse viva. Pelo que o pai falava, ela o entenderia. Talvez ela lhe desse um pouco de atenção e carinho. Se a mãe estivesse viva, ele não precisaria ficar preso em casa, como uma....

- Aberração! É isso que aquele moleque é! Ele não pode ser meu filho, ter o meu sangue. Ele é filho de Satã.

Sentiu a lágrima quente descendo pela face. Filho de Satã. Tinha passado os 12 anos da sua vida ouvindo isso do próprio pai. Haveria alguém que sofresse mais do que ele no mundo? Alguma existência mais dramática? A única coisa que lhe restava era alimentar seu ódio ao...

- Senhor! Senhor, eu não mereço tal provação. Eu não mereço a humilhação de ter esta criança demoníaca sob meu teto. E agora? Como eu vou encarar os outros nas missas e reuniões, agora que todos sabem que meu filho, que não podia sair de casa por ser doente, na verdade é um monstro?

Ele só pensava no que os vizinhos diriam. Não se preocupava com ele. Nunca tinha se importado com a dor dele. Não sabia o que era ver o mundo através de uma janela, não ter com quem conversar. Ele não tinha amigos, não tinha uma família, não tinha uma vida. Só tinha os livros e o rádio. E os peixes. E também não entendia o que tinha feito de tão errado pro pai estar tão alterado. Ele só tinha aproveitado um descuido da madrasta e saído de casa. Pela primeira vez tinha respirado ar puro, pisado na grama molhada com os pés descalços, sentido o calor do sol na pele, o perfume das flores, o vento nas....

- Asas! Todo mundo sabe que meu filho tem asas. Ele precisava fazer isso, precisava voar?

Sim, precisava. O pai nunca o entenderia. O menino agora chorava, sem controle algum, enquanto guardava dois livros e meia dúzia de roupas em uma bolsa de mão. Agora que ele tinha conhecido o mundo lá fora, não conseguiria mais viver preso ali dentro. Abriu a janela..... Sentiu a brisa noturna no rosto. Acenou para os peixes e sumiu na escuridão do vilarejo. No dia seguinte, o pai agradeceria ao Senhor pela benção do sumiço do filho.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Eu li num livro 21


Livro: Eu sou a porta
Autor: Bhagwan Shree Rajneesh

Doses de sabedoria:

* "Os detalhes são irrelevantes. A arte não pode ser contada, apenas demonstrada através de exemplos vivos, de comunhão constante."

* "Os pensamentos são formados pela mesma substância dos sonhos, os pensamentos e os sonhos são feitos do mesmo material. De dia, você os chama de pensamentos e à noite os chama de sonhos. Mas é mais fácil identificar-se com os pensamentos porque eles são mais transparentes do que os sonhos."

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Faz frio no Maine?


Não tenho nada interessante pra dizer. Nunca tive! As coisas se agravaram... Decepção! Meu mestre se aposentou e se, até ele se cansou do ofício, que motivação eu tenho pra continuar? Tenho trezentos bilhões de idéias na cabeça e uma vontade nula de colocá-las no papel. Quero que elas sumam, pois eu não vou parar meu mundo por causa delas! Sei que elas são teimosas, idéias taurinas, e não vão me libertar. Sou escrava delas e é meu único direito e dever segurar a caneta que lhes dará vida. O parto delas significa, não a minha morte, mas minha invalidez. Para que o mundo as conheça tenho que me anular, viver como um vegetal, uma criatura subumana e servil a disposição dessas monstruosidades. Elas querem me usar. Eu quero ser usada por elas. Se elas quiserem abusar de mim, fique à vontade! Doces sonhos são feitos disso, e quem sou eu para discordar? Me entrego, plenamente, sem barreiras. Usem-me como seu portal; usem minha maldita mão para ganhar vida, mas saiam de minha mente. Por favor... Meu mestre quase morreu, voltou, me abandonou. Me apresentou a um mundo bonito e sombrio, onde as rosas cor de sangue florescem e os gemidos de dor soam como música. Me mostrou que viver podia ser bom, agradável, divertido e misterioso. Me fez feliz ao extremo, de uma felicidade que doía mais que a própria morte. E sumiu... Me largou com essas cretinas! Idéias... Porque elas não se expressam sozinhas? Com que ânimo eu vou me entregar em suas mãos, se até ele desistiu? Nesse exato momento ele está conhecendo a real felicidade, livre de toda e qualquer idéia. E eu me torturo enquanto arrumo as malas. Ele me deu essas idéias imbecis e não me ensinou o que fazer com elas. Vou devolvê-las! Por isso arrumo a mala... Faz frio no Maine?

domingo, 16 de setembro de 2012

barbie roqueira



- cara, falando em desenhos, tinha um desenho q eu amava, aí sempre q eu comentava com alguem, ngm lembrava... ngm mesmo! meus amigos ateh me chamavam de louco... hahahaha falavam q eu tava alucinando. aí eu achei a comunidade do desenho no orkut!e lá tinha um tópico falando disso, q as pessoas achavam q eles eram doidos, porq ngm lembrava do desenho, soh eles.
- hmmmmm... qual é? será q eu lembro?
- chamava jem, jen, algo assim
- e as hologramas?
- SIIIIIIIIIIIIIIIIIM. VC LEMBRA??????????????????????????????????
- era uma barbie roqueira, right? claro q eu lembro, pelamor.


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Dia Angular


Hoje acordei com um sentimento agudo,
Meio incerto, meio obtuso.
Me acomodei reto em um canto
Para ler um jornal, quase sem uso.

Em um suplemento do jornal,
Descobri que o mundo estava mal,
Mas que as pessoas viam-no por outro ângulo,
Dando uma guinada de 360º.

360º é uma volta inteira.
Que raiva me deu do jornal!
Não sabem nem que voltamos ao mesmo ponto,
E já consideram o planeta normal?

sábado, 8 de setembro de 2012

O poder nos e dos diários - Parte IV


21 de março de 2002

Depois de um dia conturbado como o de ontem, nada como um pouquinho de diversão. Hoje cedo um dos funcionários apareceu na minha sala. Claro que eu não costumo atender nenhum deles, só diretores entram aqui. Mas a secretária se penalizou com o rapaz pelo fato de ele ter tentado estar bem vestido. Ah, e porque ele tinha olhos muito tristes! Mulheres! Por causa da pena dela, eu tive que permitir a entrada dele. Mas, no final, foi divertido. O pobre coitado também tinha visto a tal frase na hidrelétrica e veio conversar sobre ela. Imagine a cena: eu, presidente da empresa, discutindo relações de dominação com um reles funcionário! E o mesmo papo de sempre... Ele merecia um aumento, era um excelente trabalhador, estava há muitos anos na empresa e tinha certeza que eu também tinha começado de baixo. Pra mim foi o suficiente. Ele mesmo estava se incriminando! Ficou totalmente óbvio que era ele o autor da frase. Não hesitei: despedi o infeliz na hora! Mão-de-obra é o que mais tem nesse país. Quantos nordestinos não estão perdidos nessa metrópole precisando de uma ninharia qualquer? E, se eu quiser uma especialização maior, quantos recém-formados não estão atrás de emprego e dispostos a ganhar a mesma ninharia que o povo lá do Nordeste? É como eu sempre digo, tudo é mais fácil quando se tem dinheiro... Eu odeio esses pregos insolentes! E de onde veio esse livro ridículo?

(Era março de 2002 e a professora de Redação pediu que cada dupla escrevesse um texto praticamente livre baseado na frase "Quando você for martelo, lembre-se de que já foi prego". Eu e a Éve provamos nossa tendência pra literatura com esse texto e recebemos nota máxima. E houve boatos de que o texto tinha que ser "jornalístico" por ser uma faculdade de Jornalismo... rs)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

cena em quatro


Eles falam, falam, falam. Muito pra não dizer nada. cena em quatro. Não gosto. procuro os olhos. De ambos. Eles não estão aqui. Não há sorrisinhos. Não há as caras de piadinhas internas. Não há segurança, proteção. Carinho.

* escrito no primeiro dia de aula de 2009.