segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
a saudade é um troço horrorível
São as coisas bem pequenas, que a gente nem imagina que possam fazer tanta falta, que deixam mais saudade...
O formato exato do nariz dela, que eu ainda sinto na minha mão...
O barulho irritante que ela faz com o nariz e me deixa louca...
A textura do cabelo dela...
O peso do corpo dela quando ela se joga em cima de mim no sofá...
A cara de pedinte que ela faz quando quer brincar de alguma coisa...
O jeito como só ela sabe conversar sobre música pop...
O modo que só ela imita a tal da avaiana de pau...
A posição dela dormindo...
A cara de sono, com um olho só aberto...
A cara de interesse que só ela faz quando eu conto alguma coisa nada a ver que aprendi num livro...
As risadas que só ela dá ouvindo a história da lagartixa que queria virar jacaré pela centésima trigésima vez...
O fato de só ela saber que poder, pode, mas tem que se comportar...
A cara de passada que só ela sabe fazer, com olhão arregalado e tudo...
A voz dela dizendo "Ah, muleeeeeeeque!"...
O sorriso dela...
A risada dela...
O modo como ela ri e fala, tudo ao mesmo tempo e, de repente, solta um "que tadinho(a)!"...
As batidas na madeira quando alguém diz L-Ú-C-I-F-E-R....
O jeitinho que só ela sabe dizer Tata....
(originalmente publicado em 17 de julho de 2005. mas a saudade não muda...)
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Antítese
Sou uma antítese que fala.
Que pensa e sente.
Que sofre e chora,
Que ama e mente.
E por antítese ser,
Sorrio por estar triste,
Procuro a inexistência
Naquilo que já existe.
Choro de felicidade,
Gosto de tudo que odeio.
Tudo que é bom é ruim,
Tudo que é bonito é feio.
Ser assim é difícil
E me causa uma confusão,
Mas quem não se divide
Entre a razão e a emoção?
domingo, 9 de dezembro de 2012
Eu acredito em amor a primeira vista
Eu acredito em amor a primeira vista. Pq, certeza absoluta, já aconteceu duas vezes comigo.
A primeira em outubro de 1985, quando eu pequena e magrela (e de vestidinho e laço no cabelo) entrei no hospital de Alta Floresta segurando na mão do meu vô. Lembro da minha mãe na cama, segurando um embrulhinho. E lembro que eu pedi pra segurar o embrulhinho. Aí meu avô me mandou sentar e colocou o embrulhinho no meu colo dizendo "Ela não é boneca, hein, Tata. Cuidado!". E eu segurei o embrulhinho e vi o que tinha dentro. E, na hora que eu vi – bang! – me apaixonei perdidamente.
A segunda vez foi em maio de 1989, quando minha mãe sumiu barrigudona e demorou pra voltar. Eu fiquei na casa do meus avós, estressada pq ela não chegava. E aí ela chegou. Lembro de eu e da Dani esperando o elevador subir – e aquele elevador nunca demorou tanto. E de repente a porta abriu. E minha mãe trazia um embrulhinho. Outro! E todo mundo se jogou em cima, louca pra ver o que tinha dentro. Quando eu finalmente consegui ver o embrulhinho, vi que era igual ao que eu tinha visto há 4 anos: uma coisinha pequena e feiosa. A única diferença é que essa coisinha tinha um triângulo na testa. E, por mais absurdo que pareça, - bang! – eu me apaixonei por outro embrulhinho.
No fundo, eu acho que eu tenho uma queda por embrulhinhos....
Fora isso, eu acho que logo que cheguei no mundo, quando, suspeito, eu tb era um embrulhinho, também rolou esse amor eterno a primeira vista. Mas minha memória tb não é tão incrível e eu não lembro dessa parte...
domingo, 2 de dezembro de 2012
introdução às melhores conversas IX
- não tô achando matéria pra fazer matrícula pro semestre que vem. tô pirando aqui.
- mas pq não tá achando? vc não curte nenhuma?
- todas as q eu consideraria fazer tão batendo com o horário da obrigatória.
- vai ter q ver a menos pior, né?
- assim, to matriculada em 1 matéria só. futsal.
- OI? hahahahahaha
- não sei o que fazer. tô desesperada.
- faz futsal II.
- né? HAHAHAAHHAA. técnicas avançadas. mas eu queria fazer um esporte e levar crédito por ele. ia ser massa. ioga III.
- hahahahahaha
- pilates V
- badminton XI
- queimada II
- corre-cutia XXX
- introdução ao pique-esconde II
- precisa de duas introduções ao pique-esconde???
- precisaaaa. é q nem latim. intro I e intro II.
- HAHAHAHAHAHAHA. tenso.
- é mto elaborado pow.
- podia ter disciplina créu.mas só iria até créu V.
- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAAHA
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Eu sou prosa, ela é poesia
Por muitas vezes tento fazer poesias sobre (e para) a Brú. Mas elas não saem! Já fiz muitas poesias em minha vida, todas falsas e medíocres. Sou a vergonha de Drummond, Quintana, Pessoa. Cada verso, cada rima é uma mentira e não tem um pingo de mim. E por isso eu não consigo escrever! Pq, por mais que a Bruna seja pura poesia, eu não sou. A Bruna é um todo poético, um universo de hipérboles e eufemismos, um emaranhado de clichês e beleza. Ela é o cabelo da cor da noite, os olhos que brilham, o sorriso que ofusca. Ela é todo o exagero romântico dos poetas, o oito ou oitenta, o tudo ou nada. Ela é a profusão de sentimentos e qualidades: o amor, a felicidade, a alegria, a simplicidade, a autenticidade e tudo mais. Ela é todas as palavras encontradas em montes de versos pelo mundo inteiro: princesa, anjo, lua, sol, estrela, sonho, saudade... A Bruna, pra mim, é um verso de Quintana: simples, quase infantil, pleno, puro, ingênuo, forte e lindo. E a Bruna é parte de mim... E, como eu disse antes, minhas poesias não têm um pingo de mim. E eu sei que ela entende isso...
Eu? Eu sou prosa...
(originalmente publicado em 08 de setembro de 2005. continuo sendo prosa.)
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Eu li num livro 23
Livro: Bodas de Sangue
Autor: Garcia Lorca
Dose de sabedoria:
* Calar e arder são o castigo maior que podemos nos infligir. De que me serviu o orgulho, e não te olhar, e deixar-te acordada todas as noites? De nada! Serviu para me incendiar! Porque tu crês que o tempo cura e que as paredes tapam, e não é verdade, não é verdade. Quando as coisas calam fundo não há quem as arranque.
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
O joystick divino
O grande problema de viver é que não vem com manual de instruções. Deveria. Pq atualmente eu tô achando que tudo é um enorme vídeo-game e nós somos os Alex Kids daquele cara (Deus, destino, a Força, Alá, chame como preferir). Não sei se a gente já veio de uma fase anterior ou essa é a primeira. Imagino que o objetivo seja acumular pontos. Obstáculos e o modo como você os encara geram tantos pontos. Positivos ou negativos. Se alguém te sacaneia e você manda matar essa pessoa, vc perde milhões de pontos. Se vc tem uma conversa sincera com a pessoa, dizendo como se sente, ganha pontos. Se vc perdoa essa pessoa de coração ganha infinitos pontos (mas eu acredito que poucas pessoas consigam desempenhar essa tarefa). E assim vai... Ações espontâneas tb podem te garantir ou te tirar pontos. Se vc chuta um gato do nada - bam! - menos pontos. Se vc dá um presente só pra ver a felicidade de outra pessoa - pim!! - mais pontos.
Pode ser também que tenham existido fases anteriores e que a gente já venha delas com um número X de pontos, que varia de acordo com a pessoa.
De qualquer modo, existe uma hora da nossa vida nessa fase que a gente junta um número absurdo de pontos. E aí acabou. Não tem mais o que juntar. E você pode e deve passar pra outra fase; talvez zerar o jogo e chegar a um estágio estilão paraíso (ou castelo do Mickey com direito a encontro com a Minnie). É nessa hora que você fica doente. Sofre um acidente. Alguém muito do mal te dá um tiro. E seu coração pára.
E aí eu fico me perguntando como é que a Bruna conseguiu juntar esses pontos tão rápido....
(texto de agosto de 2005)
terça-feira, 6 de novembro de 2012
Gramática
Num labirinto de interrogações,
Procuro um ponto final;
Em meio às exclamações
Daqueles que procuram o mal.
Eu, pronome reto,
Caminho por entre oblíquos
Buscando um futuro incerto.
Andando pelo presente,
Saúdo pronomes e sujeitos.
Sou seguida por pretéritos,
Perfeitos e imperfeitos.
Encontro um verbo, sem regência.
Para poder desvendá-lo
Precisarei de muita paciência.
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Expor
"Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a "posição" (nossa maneira de pormos), nem a “oposição” (nossa maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a “proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa maneira de “expormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “expõe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre."
(Notas sobre a experiência e o saber de experiência - Jorge Larrosa Bondía)
(dica de um munch muito amado...)
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Inquietação
Que mundo estranho é esse,
Que trancafia os normais,
Para nós, que somos loucos,
Podermos viver em paz?
Realmente eu não entendo
Qual a lógica que há nisso.
E fico me remoendo...
Que planeta esquisito é esse
Que diferencia iguais?
Justiça? Não existe!
E já não aguento mais...
Quero um lugar diferente
Onde todos sejam semelhantes.
Tudo depende da gente?
sábado, 27 de outubro de 2012
Guerra
Uma única gota de discórdia,
Correndo mais rápido que o mar,
Transformando-se em um oceano de ódio,
Faz minha mente girar.
Num turbilhão de emoções,
Enfrento uma diversidade sentimental:
Um ciclone de informações
Desequilibrando o bem e o mal.
Difíceis escolhas,
Com desagradáveis surpresas.
No Império da alegria,
Chega um tempo de tristezas.
Os guerreiros dentro de mim
Não desistem de lutar contra a dor,
E um dia irão vencer.
A sua arma é mais forte, o amor!
terça-feira, 23 de outubro de 2012
carta aberta sobre se dar em pedaços
querido amigo joely,
não importa quantas vezes você me apague, a ponto de parecer ter se tornado uma outra pessoa (sempre), eu sempre estarei aqui pra lembrar como eu sou. pois, de alguma forma, eu acho que sempre existirei na sua vida. destino? acaso? fanfarronice?
a verdade, meu caro, é que muda o joel, mas não muda a clem. eu sou sempre a mesma. e, no meu caso, ser sempre a mesma é exatamente ser sempre impulsivamente nova e diferente. e o contrário disso também. clem antítese que anda e fala, que pensa e sente (sente muito mais do que pensa), que ri e chora, que ama e mente (muito amor e pouca mentira, sendo bem honesta).
e, entre as coisas que não mudam, esse meu imediatismo. essa necessidade de resolver tudo já, de fazer tudo agora. tenho esse receio imenso de deixar pra depois. e se o depois não existir? e se, no depois, um de nós dois deixar de existir?
te incomoda, como incomodou aos outros joels que vieram antes de você, que eu não saiba respeitar o tempo alheio. que eu insista numa resposta rápida pra tudo. você precisa de tempo pra pensar, mas eu penso no tempo que se perde pensando. na minha mente impulsiva, pensamento não tem vez! é impulso. é pulsão. é vontade. e, sobre isso, não se pensa. tempo pra escolher as palavras... pra que escolher, joely? elas estão aí? elas querem sair? deixa... não escolhe. não se preocupa em entender, não se preocupa com as consequências. estou errada? provavelmente. mas só sei viver assim. mesmo que isso causa dor.
o que eu queria que você entendesse é que esse tempo que você está usando pra pensar e escolher palavras, a gente podia usar pra conversar, pra rir, pra falar besteira, pra restaurar essa amizade que está se perdendo. o medo maior é, ao perder o tempo, perder você...
a vida é tão curta e a gente fica se dando em pedaços, joely...
every now and then, I get a little bit nervous that the best of all the years have gone by...
clem
sábado, 20 de outubro de 2012
Eu li num livro 22
Livro: Precisamos falar sobre o Kevin
Autor: Lionel Shriver
Doses de sabedoria:
* "Que sorte temos quando somos poupados daquilo que achamos que queremos."
* "Eu sei, Fanhoso era só um bichinho de estimação, um bichinho caro, e algum tipo de final infeliz seria inevitável. Eu devia ter pensado nisso antes de lhe dar o presente, se bem que é óbvio que evitar relacionamentos por medo da perda é evitar a vida."
* "As pessoas parecem capazes de se acostumar com qualquer coisa e a distância é muito curta entre adaptação e apego."
* "Nada é interessante, se você não estiver interessado."
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
o touro e o escorpião
o touro nunca havia gostado de escorpiões. escorpiões eram traiçoeiros, chatos, venenosos... até que o touro conheceu um escorpião diferente de todos os outros. o mais amigo e companheiro e querido e divertido que poderia existir na face da terra...
primeiro, o touro era moreno. o escorpião era loiro. o touro, com mais experiência, não tinha muita paciência praquele povo deslumbrado, começando. mas o escorpião era diferente. não era deslumbrado. estava começando e, lindamente, já não tinha paciência pra amador. um escorpião divo! e o touro dizia "com aquele jeito dele, desligado, na dele, falando bobagem e fazendo todo mundo rir, o escorpião é o mais sábio dessa turma...". e era.
um tempo depois, o touro era loiro. o escorpião, moreno. uma inversão, mas a única. de resto, eram iguais. e talvez isso os aproximasse, esse apego ferrenho a uma personalidade imutável, a valores imutáveis, mesmo sendo duas metarmofoses ambulantes. o touro era a busca da beleza, o escorpião era a representação da beleza. encontraram-se. alcançaram-se. num cenário em que não havia qualquer relação, eles a criaram. um olhar, um sorriso, o oferecimento de um doce, um ligeiro toque de mãos... uma amizade traçada.
e, então, ambos se enfeitaram. se montaram. viraram divas! dois pequenos animais notáveis! coincidentemente (será?), em meio a uma profusão de cores, ambos de prata! o escorpião tinha a mais linda voz, o touro - mesmo sem voz nenhuma - tinha as mãos e os olhos e as bocas. juntos, escorpião e touro, eram voz e mãos e bocas e olhos. eram perfeição!
tudo isso pra no final - que era só o começo - estarem em lados opostos, inimigos. mas só de mentirinha. na vida, eram cada vez mais próximos, mais amigos. tinham cada vez mais planos juntos, misturando o roxo e o rosa.
pq sem a vilã, a mocinha seria chata... e sem a mocinha, não tem motivo pra vilã existir.
pq é necessário voz e olhos e mãos e bocas pra construir uma carmen miranda.
pq só a poetisa alcança a vitória...
oba!
domingo, 30 de setembro de 2012
Asas
O menino levantou da cama e acendeu o abajur. Tinha conseguido cochilar, mas agora acordava de novo e os gritos continuavam.
- Eu não consigo me perdoar pelo que eu fiz. O Senhor não me perdoará. Eu devia ter percebido; aquela mulher tinha a marca da besta. Eu fui ingênuo de pensar que ela mudaria... Os próprios pais dela não conseguiam discipliná-la. Sempre cantando e dançando, como se fosse uma... uma.... uma mundana qualquer.
A voz grossa e alterada do pai sempre o assustava. Não gostava do modo como ele falava de sua mãe... Olhou pela janela, para a escuridão. Todos, exceto ele, o pai e a madrasta, dormiam na comunidade. Amishes dormem cedo.
- Mas eu fui tolo. Oh, Senhor, porque me deixaste ser tão tolo. O maior erro da minha vida foi ter desposado aquela mulher. Ela me amaldiçoou. Sabe o que ela me disse em nossa noite de núpcias? Não, eu não deveria contar essas coisas pra você, minha esposa querida. Mas ela me disse que, quando eu chamava seu nome, era como uma prece. Blasfêmia! Como eu não percebi onde isso terminaria?
A madrasta não respondia. Nunca respondia. Era uma perfeita esposa religiosa, criada dentro da tradição. Ela apenas ouvia e fazia a manteiga para a família.
O menino percebeu que não conseguiria dormir mais... Pegou o saquinho na primeira gaveta e foi até o aquário. Sorriu para os peixes. Eram sua única companhia. Eddie Bluefish e Jimmy Dishwalla. Seus melhores amigos. Seus únicos amigos....
- Que Ele me perdoe pelo que eu vou dizer, mas seria melhor se ela tivesse perdido o filho. Ou se ele tivesse morrido no parto, junto com ela.
Ele gostaria que a mãe estivesse viva. Pelo que o pai falava, ela o entenderia. Talvez ela lhe desse um pouco de atenção e carinho. Se a mãe estivesse viva, ele não precisaria ficar preso em casa, como uma....
- Aberração! É isso que aquele moleque é! Ele não pode ser meu filho, ter o meu sangue. Ele é filho de Satã.
Sentiu a lágrima quente descendo pela face. Filho de Satã. Tinha passado os 12 anos da sua vida ouvindo isso do próprio pai. Haveria alguém que sofresse mais do que ele no mundo? Alguma existência mais dramática? A única coisa que lhe restava era alimentar seu ódio ao...
- Senhor! Senhor, eu não mereço tal provação. Eu não mereço a humilhação de ter esta criança demoníaca sob meu teto. E agora? Como eu vou encarar os outros nas missas e reuniões, agora que todos sabem que meu filho, que não podia sair de casa por ser doente, na verdade é um monstro?
Ele só pensava no que os vizinhos diriam. Não se preocupava com ele. Nunca tinha se importado com a dor dele. Não sabia o que era ver o mundo através de uma janela, não ter com quem conversar. Ele não tinha amigos, não tinha uma família, não tinha uma vida. Só tinha os livros e o rádio. E os peixes. E também não entendia o que tinha feito de tão errado pro pai estar tão alterado. Ele só tinha aproveitado um descuido da madrasta e saído de casa. Pela primeira vez tinha respirado ar puro, pisado na grama molhada com os pés descalços, sentido o calor do sol na pele, o perfume das flores, o vento nas....
- Asas! Todo mundo sabe que meu filho tem asas. Ele precisava fazer isso, precisava voar?
Sim, precisava. O pai nunca o entenderia. O menino agora chorava, sem controle algum, enquanto guardava dois livros e meia dúzia de roupas em uma bolsa de mão. Agora que ele tinha conhecido o mundo lá fora, não conseguiria mais viver preso ali dentro. Abriu a janela..... Sentiu a brisa noturna no rosto. Acenou para os peixes e sumiu na escuridão do vilarejo. No dia seguinte, o pai agradeceria ao Senhor pela benção do sumiço do filho.
terça-feira, 25 de setembro de 2012
Eu li num livro 21
Livro: Eu sou a porta
Autor: Bhagwan Shree Rajneesh
Doses de sabedoria:
* "Os detalhes são irrelevantes. A arte não pode ser contada, apenas demonstrada através de exemplos vivos, de comunhão constante."
* "Os pensamentos são formados pela mesma substância dos sonhos, os pensamentos e os sonhos são feitos do mesmo material. De dia, você os chama de pensamentos e à noite os chama de sonhos. Mas é mais fácil identificar-se com os pensamentos porque eles são mais transparentes do que os sonhos."
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Faz frio no Maine?
Não tenho nada interessante pra dizer. Nunca tive! As coisas se agravaram... Decepção! Meu mestre se aposentou e se, até ele se cansou do ofício, que motivação eu tenho pra continuar? Tenho trezentos bilhões de idéias na cabeça e uma vontade nula de colocá-las no papel. Quero que elas sumam, pois eu não vou parar meu mundo por causa delas! Sei que elas são teimosas, idéias taurinas, e não vão me libertar. Sou escrava delas e é meu único direito e dever segurar a caneta que lhes dará vida. O parto delas significa, não a minha morte, mas minha invalidez. Para que o mundo as conheça tenho que me anular, viver como um vegetal, uma criatura subumana e servil a disposição dessas monstruosidades. Elas querem me usar. Eu quero ser usada por elas. Se elas quiserem abusar de mim, fique à vontade! Doces sonhos são feitos disso, e quem sou eu para discordar? Me entrego, plenamente, sem barreiras. Usem-me como seu portal; usem minha maldita mão para ganhar vida, mas saiam de minha mente. Por favor... Meu mestre quase morreu, voltou, me abandonou. Me apresentou a um mundo bonito e sombrio, onde as rosas cor de sangue florescem e os gemidos de dor soam como música. Me mostrou que viver podia ser bom, agradável, divertido e misterioso. Me fez feliz ao extremo, de uma felicidade que doía mais que a própria morte. E sumiu... Me largou com essas cretinas! Idéias... Porque elas não se expressam sozinhas? Com que ânimo eu vou me entregar em suas mãos, se até ele desistiu? Nesse exato momento ele está conhecendo a real felicidade, livre de toda e qualquer idéia. E eu me torturo enquanto arrumo as malas. Ele me deu essas idéias imbecis e não me ensinou o que fazer com elas. Vou devolvê-las! Por isso arrumo a mala... Faz frio no Maine?
domingo, 16 de setembro de 2012
barbie roqueira
- cara, falando em desenhos, tinha um desenho q eu amava, aí sempre q eu comentava com alguem, ngm lembrava... ngm mesmo! meus amigos ateh me chamavam de louco... hahahaha falavam q eu tava alucinando. aí eu achei a comunidade do desenho no orkut!e lá tinha um tópico falando disso, q as pessoas achavam q eles eram doidos, porq ngm lembrava do desenho, soh eles.
- hmmmmm... qual é? será q eu lembro?
- chamava jem, jen, algo assim
- e as hologramas?
- SIIIIIIIIIIIIIIIIIM. VC LEMBRA??????????????????????????????????
- era uma barbie roqueira, right? claro q eu lembro, pelamor.
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
Dia Angular
Hoje acordei com um sentimento agudo,
Meio incerto, meio obtuso.
Me acomodei reto em um canto
Para ler um jornal, quase sem uso.
Em um suplemento do jornal,
Descobri que o mundo estava mal,
Mas que as pessoas viam-no por outro ângulo,
Dando uma guinada de 360º.
360º é uma volta inteira.
Que raiva me deu do jornal!
Não sabem nem que voltamos ao mesmo ponto,
E já consideram o planeta normal?
sábado, 8 de setembro de 2012
O poder nos e dos diários - Parte IV
21 de março de 2002
Depois de um dia conturbado como o de ontem, nada como um pouquinho de diversão. Hoje cedo um dos funcionários apareceu na minha sala. Claro que eu não costumo atender nenhum deles, só diretores entram aqui. Mas a secretária se penalizou com o rapaz pelo fato de ele ter tentado estar bem vestido. Ah, e porque ele tinha olhos muito tristes! Mulheres! Por causa da pena dela, eu tive que permitir a entrada dele. Mas, no final, foi divertido. O pobre coitado também tinha visto a tal frase na hidrelétrica e veio conversar sobre ela. Imagine a cena: eu, presidente da empresa, discutindo relações de dominação com um reles funcionário! E o mesmo papo de sempre... Ele merecia um aumento, era um excelente trabalhador, estava há muitos anos na empresa e tinha certeza que eu também tinha começado de baixo. Pra mim foi o suficiente. Ele mesmo estava se incriminando! Ficou totalmente óbvio que era ele o autor da frase. Não hesitei: despedi o infeliz na hora! Mão-de-obra é o que mais tem nesse país. Quantos nordestinos não estão perdidos nessa metrópole precisando de uma ninharia qualquer? E, se eu quiser uma especialização maior, quantos recém-formados não estão atrás de emprego e dispostos a ganhar a mesma ninharia que o povo lá do Nordeste? É como eu sempre digo, tudo é mais fácil quando se tem dinheiro... Eu odeio esses pregos insolentes! E de onde veio esse livro ridículo?
(Era março de 2002 e a professora de Redação pediu que cada dupla escrevesse um texto praticamente livre baseado na frase "Quando você for martelo, lembre-se de que já foi prego". Eu e a Éve provamos nossa tendência pra literatura com esse texto e recebemos nota máxima. E houve boatos de que o texto tinha que ser "jornalístico" por ser uma faculdade de Jornalismo... rs)
terça-feira, 4 de setembro de 2012
cena em quatro
Eles falam, falam, falam. Muito pra não dizer nada. cena em quatro. Não gosto. procuro os olhos. De ambos. Eles não estão aqui. Não há sorrisinhos. Não há as caras de piadinhas internas. Não há segurança, proteção. Carinho.
* escrito no primeiro dia de aula de 2009.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
tudazcriança
Lendo um livro da Marina Colasanti - que eu adoro -, uma coletânea de contos e crônicas chamada " A Casa das Palavras", encontrei um em que ela falava de um outro livro: "Casa das Estrelas", de Javier Naranjo. Este é o resultado de um trabalho com crianças de diversas idades e contém a definição das crianças pra algumas palavras. Pelo pouco que ela cita na crônica, dá uma vontade imensa de ler tudo. Incrível a simplicidade com que os pequeninos definem tudo! Selecionei meus três preferidos:
- Deus: "É o amor com cabelo comprido e poderes." (Ana Milena Hurtado, 5 anos)
- Criança: "É um humano, são más às vezes, são boas às vezes, choram, gritam, brincam, brigam, tomam banho; às vezes não tomam banho, se metem na piscina e crescem." (Natalia Calderón, 10 anos)
- Tranquilidade: "Por exemplo, que o pai diga que vai bater e depois diga que não vai mais." (Blanca Helao, 10 anos)
domingo, 19 de agosto de 2012
a sabedoria do domingo
- O ensaio equivale a uma missa.
- O processo de criação é agônico. Se não te causa agonia, alguma coisa está errada.
- Stanislavski não é a favor disso.
- Stanislavski tem sorte da gente ser a favor dele.
(pq os domingos do semestre passado foram surpreendentemente maravilhosos e me fizeram ser uma pessoa melhor... e superar preconceitos idiotas.)
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
Eu li num livro 20
Livro: As Crônicas de Nárnia
Autor: C.S. Lewis
Doses de sabedoria:
* Pois o que você ouve e vê depende do lugar em que se coloca, como depende também de quem você é.
* A terceira maneira, a única que sou capaz de usar, consiste em escrever uma história para crianças porque é a melhor forma artística de expressar algo que você quer dizer.
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
o fim do relatório da última aula...
Foi uma aula maravilhosa, mas foi mesmo a última. Não por eles; eu só ameaçava, mas jamais os abandonaria. Foi a última justamente por eu não suportar mais estar em um lugar onde crianças como aquelas - incríveis, espertas, inteligentes, dedicadas, criativas, carinhosas e com uma vontade enorme de evoluir - eram maltratadas, humilhadas e até agredidas. Um lugar que poderia ser um projeto lindo, mas que foi corrompido e usado como auto-promoção e uma forma de obter dinheiro fácil. E, por acreditar na teoria, mas abominar a prática daquele lugar, eu optei por sair...
Saí levando uma grande saudade das crianças, mas também a certeza de duas coisas muito importantes. Primeiro, de que eu fui capaz de melhorar um pouco a vida deles, de ensinar alguns conceitos fundamentais, de mostrar que eles podem ir além. Não os transformei em atores - como questionavam -, mas em pessoas melhores - que sempre foi meu objetivo. E a outra certeza: a de que é isso que eu quero pra minha vida, é pra isso que eu quero usar o teatro. Quero usar o que aprendi - e aprendo constantemente - no teatro, pra fazer com que as crianças tornem-se adultos melhores. Pra que elas acreditem que podem ser mais e que o mundo pode ser bonito. Acreditar é o primeiro passo. Se a gente acredita, assim é, assim se torna. Como no teatro, em que a gente tem que acreditar pra ser bem-feito. Fé cênica, não é? E fé na vida, fé no futuro... Fé, simplesmente.
terça-feira, 10 de julho de 2012
Morte aos teen movies!
Tá, eu admito: eu gosto dos malditos teen movies. Já vi dezenas deles e, com certeza, ainda vou ver muitos. E, pra quem ainda não está entendendo, teen movie é aquele típico filme americano para adolescentes. São divertidos, são engraçados, são fofinhos... São terríveis!! Pode até não parecer, mas ele ainda vão acabar com você.
Por quê? Ora, porque eles (diretores, produtores, atores) são especializados em colocar milhões de mentiras na tela e te convencer de que aquilo vai ser sua realidade. E o que acontece? Você espera que as coisas aconteçam como nos filmes e, quando não acontecem, você se desespera e se sente a mosca do cocô do cavalo do bandido do pior filme western americano!! É verdade!
Por exemplo... Você é a "típica personagem de teen movie 1": feia, tímida, "chata", sem amigos, super inteligente e tal. Aí você vê os filmes e acha que tudo vai mudar: você vai acabar se tornando a mais bonita, legal, descolada, popular... e vai namorar o bonitão da escola! Só que não é por aí... Se você nasceu feia, só o Pitangui resolve. Ninguém fica bonita, você sempre foi só que não tinha se dado conta. Timidez é outra coisa que sempre te acompanhará; pode até diminuir, mas é pra sempre, é parte da sua personalidade. "Chata" e "legal" são conceitos muito relativos, ninguém consegue ser 24 horas por dia, 7 dias por semana só um deles. E se as pessoas se aproximarem de você porque você ficou mais rica ou popular, não são amigos, são simplesmente pessoas interesseiras. Ah, e não, o Freddie Prinze Jr. não vai te pedir em namoro. E também não pense que a "típica personagem de teen movie 2" vai ter o destino cinematográfico que você espera. Você provavelmente conhece uma assim: linda, rica, popular, namorada de um cara lindo, filha de milionários, idolatrada por todos... ou seja: a cheerleader (mesmo que esse negócio não aconteça muito no Brasil, o que eu acho muito errado, ia ser muito divertido... quer dizer... não que eu quisesse ser cheerleader, eu devo estar mais para a personagem 1)! E você deve morrer de raiva dela, certo? Afinal, pra que ser tão perfeita? Aí você pensa: "Ela vai pagar por isso, tenho certeza!". Só que... a) ela não é, como você deseja desesperadamente, muito triste e depressiva, tipo "pobre menina rica". Cai na real! Ela tem tudo que ela pode querer, porque iria ser triste? e b) ela não vai ficar pobre, feia, gorda e solteirona e abandonada por todos no "final". Aliás, ela é capaz até de casar com um cara lindo e rico, que vai garantir a beleza e a riqueza eterna dela. E ela vai ser feliz, sim.
Outro ponto importante é a faculdade. Você já reparou como ela parece tudo nos filmes? Balada todo dia, caras lindos e sensíveis, dividir o apartamento com um amigo gay que é o cara mais divertido do planeta, amigas divinas... Aí você conhece a realidade: provas, trabalhos, estágios, professores chatos, falta de tempo, disciplinas insuportáveis... Balada? Muito raramente. Caras lindos? Poucos... Quase todos com namoradas. Amigos gays? Nenhum... (quédizê... rs). Amigas? Essas você vai encontrar, mas elas vão ser tão legais quanto no colegial...
Eu sei que tudo isso soa meio pessimista! Não é minha intenção. Eu não quero que você deixe de assistir teen movies, só quero que não "viaje" neles, que saiba separar o que é real do que não é. E também não quero que você ache que sua vida vai ser uma porcaria; ela pode até ser como nos filmes, mas você vai ter que fazer isso, ser sua própria diretora, pois seu roteiro vai ser escrito a cada dia. E você vai ter que fazer de tudo pra que, quando o THE END aparecer na tela, você esteja certa de que valeu a pena e de que faria tudo, do mesmo jeito, de novo.
* aí era 2002 e apareceu a ideia de eu escrever uma coluna em uma revista teen... esse seria o primeiro texto, mas a revista não deu certo...
terça-feira, 3 de julho de 2012
O poder nos e dos diários - Parte III
Quinta, 21 de março de 2002
Como? Como? Como é possível alguém acabar com toda a fibra? Auto-confiança? Toda a dignidade de uma pessoa?
Marcelo Marcella é a pessoa (com nome de transformista, a propósito) mais desprezível que eu poderia conhecer em toda a minha existência terrena! Como ele pôde?
Estava eu todo confiante, cheio de argumentos brilhantes, pronto para mostrá-lo como seu comportamento com empregados é deselegante. Falei sobre a escritura do muro da empresa e como ela era importante para todos os subordinados humilhados diariamente por todo o mundo e quando estava pronto para falar que ele deveria refletir sobre suas atitudes e como elas deveriam mudar, ele bateu as mãos na mesa e:
- Senhor Pedro Prestes, então o senhor é responsável pelo ato de vandalismo em nosso muro?
- Como vandalismo, sr. Marcella? E não fui eu...
- Pichação é vandalismo sim, sr. Prestes. Bem no dia da fiscalização... é uma afronta pessoal, na verdade!
A partir daí não abri mais a boca. A droga do M.M. bradava tão ferozmente que podia ver todas as gotículas nojentas de cuspe saindo da boca daquele vil e molhando um documento, que sinceramente torço para que seja muito importante e esteja arruinado.
Não bastasse toda a eternidade de ofensas, o desgraçado ainda me demitiu! Mas tudo bem! Manterei-me forte, recuperarei minha confiança e arrumarei umemprego muito melhor. Como fala o livro que comprei após a reunião-tragédia: tudo depende de um equilíbrio de chacras. Sim! Já me sinto melhor!
Ah, droga! Perdi meu livro "Como não fazer tempestade em copo d'água no trabalho".
(Era março de 2002 e a professora de Redação pediu que cada dupla escrevesse um texto praticamente livre baseado na frase "Quando você for martelo, lembre-se de que já foi prego". Eu e a Éve provamos nossa tendência pra literatura com esse texto e recebemos nota máxima. E houve boatos de que o texto tinha que ser "jornalístico" por ser uma faculdade de Jornalismo... rs)
domingo, 24 de junho de 2012
Matemágica
Abrir o caderno
Sentir-se infeliz
Elevar-se ao quadrado
Tirar sua própria raiz
Nos momentos difíceis
Multiplicar-se por mil
Dividir entre o povo
A soma da riqueza do Brasil
Sentir-se feliz
Ao perceber que não se é uma dízima
Que podemos sempre mudar
Mesmo que a mudança seja mínima
Ah, se a vida fosse uma parábola...
Mas é tão difícil quanto a inequação
E, reais, vazias ou impossíveis,
O bom seria encontrar a solução
Mas a vida realmente é um gráfico
Onde sou x a procura de y.
Quando as retas se encontrarem,
O futuro será tão bom...
(minha singela homenagem ao lourenço, que, quando eu disse que não sabia NADA de matemática - enfatizando muito o nada - me disse que a única solução pra mim era ir até a biblioteca e pegar um livro do fernando pessoa... e, além de tudo, nunca me deu menos que 8 em geometria...)
sábado, 23 de junho de 2012
SOUBE QUE VOCÊS NADA QUEREM APRENDER
Soube que vocês nada querem aprender
Então devo concluir que são milionários.
Seu futuro está garantido — à sua frente
Iluminado. Seus pais
Cuidaram para que seus pés
Não topassem com nenhuma pedra. Neste caso
Você nada precisa aprender. Assim como é
Pode ficar.
Havendo ainda dificuldades, pois os tempos
Como ouvi dizer, são incertos
Você tem seus líderes, que lhe dizem exatamente
O que tem a fazer, para que vocês estejam bem.
Eles leram aqueles que sabem
As verdades válidas para todos os tempos
E as receitas que sempre funcionam.
Onde há tantos a seu favor
Você não precisa levantar um dedo.
Sem dúvida, se fosse diferente
Você teria que aprender.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986. p. 91.)
terça-feira, 19 de junho de 2012
Eu li num livro 19
Livro: Em Busca de um Teatro Pobre
Autor: Grotowski
Doses de sabedoria:
* Não se trata de instruir um aluno, mas de se abrir completamente para outra pessoa, na qual é possível o fenômeno do "nascimento duplo e partilhado". O ator renasce - não somente como ator mas como homem - e, com ele, renasço eu. É uma maneira estranha de se dizer, mas o que se verifica, realmente, é a total aceitação de um ser humano por outro.
* Tudo está concentrado no amadurecimento do ator, que é expresso por uma tensão levada ao extremo, por um completo despojamento, pelo desnudamento do que há de mais íntimo - tudo isto sem o menor traço de egoísmo ou de auto-satisfação. O ator faz uma total doação de si mesmo.
* Por que sacrificamos tanta energia à nossa arte? Não é para ensinar aos outros, mas para aprender com eles o que nossa existência, nosso organismo, nossa experiência pessoal e ainda não treinada tem para nos ensinar; para aprender a romper os limites que nos aprisionam e a libertar-nos das cadeias que nos puxam para trás, das mentiras sobre nós mesmos, que manufaturamos cotidianamente, para nós e para os outros; para as limitações causadas pela nossa ignorância e falta de coragem; em resumo, para encher o vazio em nós; para nos realizarmos. A arte não é um estado da alma (no sentido de algum momento extraordinário e imprevisível de inspiração), nem um estado do homem (no sentido de uma profissão ou função social). A arte é um amadurecimento, uma evolução, uma ascensão que nos torna capazes de emergir da escuridão para uma luz fantástica.
* [O ator] deve ter coragem, mas não apenas a coragem de exibir-se - uma coragem passiva, poderíamos dizer: a coragem de um desarmado, a coragem de revelar-se.
* Existe apenas um elemento que o cinema e a televisão não podem tirar do teatro: a proximidade do organismo vivo. Por causa disto, toda modificação do ator, cada um dos seus gestos mágicos (incapazes de serem reproduzidos pela plateia) torna-se qualquer coisa de muito grande, algo de extraordinário, algo próximo do êxtase.
* No entanto, o teatro, e em particular a técnica do ator, não pode - como Stanislavski afirmou - basear-se apenas na inspiração ou em outros fatores imprevisíveis, como uma explosão de talento ou o súbito e surpreendente desenvolvimento de possibilidades criativas, etc. Por que? Porque, ao contrário das outras matérias artísticas, a criação do ator é imperativa, isto é, situa-se dentro de um determinado período de tempo e até de um momento preciso.O ator não pode esperar por uma irrupção de talento ou por um momento de inspiração.
* Interesso-me pelo ator porque ele é um ser humano. Isto envolve dois pontos principais: primeiro, o meu encontro com outra pessoa, o contato, o sentimento mútuo de compreensão, e a impressão criada pelo fato de que nos abrimos para um outro ser, que tentamos compreendê-lo; em suma, uma superação da nossa solidão. Em segundo, a tentativa de entender a nós mesmos através do comportamento de outro homem, de encontrar-se nele.
* Não monto uma peça para ensinar aos outros o que já sei. Só depois da montagem ficar pronta, e não antes, é que terei aprendido mais. Todo método que não se abre no sentido do desconhecido é um mau método.
* A terra nos amarra. Quando saltamos para o ar, ela nos espera.
* Todo o nosso corpo deve se adaptar a cada movimento, por menor que seja o movimento.Todo o mundo deve seguir seu próprio caminho. Nenhum exercício estereotipado deve ser imposto. Se pegamos uma pedra de gelo no chão, todo o corpo deve reagir a este movimento e ao frio. Não só as pontas dos dedos, nem somente a mão, mas todo o corpo deve revelar a frieza deste pequeno pedaço de gelo.
* Há muitos atores que, durante os ensaios, gostam de travar discussões científicas e sofisticadas sobre arte, e assim por diante. Esses atores tentam, agtravés destas discussões, esconder sua falta de empenho e sua falta de um mínimo de aplicação. Se você se entrega totalmente num ensaio, não tem tempo para discutir.
* Um dos grandes perigos que ameaçam o ator é, sem dúvida, a falta de disciplina, o caos. Não podemos expressar-nos através da anarquia. Creio que não pode existir um verdadeiro processo criativo no ator se lhe faltam disciplina e espontaneidade.
quinta-feira, 14 de junho de 2012
presente do astronauta
Dorothy na estrada
parou, viu tijolo
faltando; pulou, seguiu:
estava encantada.
(presente que ganhei do astronauta)
quarta-feira, 6 de junho de 2012
R-E-S-P-E-C-T 2
Sete dias se passaram desde a última posição que tivemos sobre meu post anterior. Sete dias que poderiam parecer pouco, diante de sete anos de dor e saudade, mas que são uma eternidade. Ou sete eternidades, se existe algo assim.
Há sete dias, o que tínhamos era: o caixão da minha irmã continuava no mesmo lugar de sempre - mesmo com várias pessoas que trabalham no cemitério e na administração dos cemitérios da cidade afirmando o contrário, mesmo com documentação afirmando o contrário - , mas haviam colocado outro caixão em cima, há cerca de 2 meses. O tal procedimento que pro cara que manda nos cemitérios da cidade é normal, pra minha família toda e pras pessoas todas que conhecemos é surreal, pra mim é um absurdo e a gente pode chamar de "puxadinho de túmulo". Algo que parece saído de um livro do Garcia Marquez, mas está acontecendo DE VERDADE numa cidade do interior paulista.
A solução? Já tínhamos! Ou melhor, a administração do cemitério já tinha. Iam tirar o caixão da minha irmã pela lateral. Uma gambiarra no puxadinho! Genial, só que ao contrário. Aposto que quem leu pensou a mesma coisa que todos nós pensamos: mas o caixão de cima não vai desabar com tudo? Só que, óbvio, isso não era problema pra administração do cemitério. Ninguém da administração do cemitério é da família do morto do caixão de cima, então, ninguém estava se importando com a possibilidade do caixão dele desabar. Tenho, aliás, algumas hipóteses em relação à galera da administração do cemitério... 1. Eles não têm família; são todos órfãos abandonados ao nascer e que cresceram sem amor, atenção e afeto e, por isso, não entendem nada sobre o processo de luto de uma família (o que não os qualificaria como as pessoas mais indicadas pra trabalhar nessa área, não?); 2. Eles e todos os familiares deles são imortais, então, não aprenderam a lidar com a morte (e, de novo, esse é o tipo de gente certa pra cuidar de cemitérios?) e 3. Eles são todos da família da Marlene e não têm coração, como ela (e, aqui, não vou repetir a pergunta, pois já concluímos que seja lá quem está administrando o cemitério, não deveria estar fazendo isso).
Então, passaram-se sete dias em que NINGUÉM - repito: NINGUÉM - entrou em contato conosco, para nos posicionar. A única coisa que sabíamos era que a família do vizinho - a tal lateral por onde eles tirariam o caixão - havia pedido 10 dias para fazer a exumação e, assim, liberar o espaço pra que o procedimento escolhido fosse adotado. Mas a gente podia ficar tranquilo, pois eles estavam pressionando a família pra exumar logo, pra gente não esperar 10 dias. Como, galerinha do cemitério, como a gente pode ficar tranquilo sabendo que, na tentativa de amenizar nossa dor, vocês estão causando tamanha dor à família do vizinho? Tudo que estamos fazendo, agora, é no intuito de que nenhuma outra família passe pelo que estamos passando e é justamente o que vocês fazem?
Aí, cansada de esperar, a Sra. Melhor Mãe do Mundo (que é a minha mãe, no caso) entrou em contato com eles. Pra ouvir que eles entraram em contato com engenheiros da Prefeitura que, após análise, concluíram exatamente o que a gente falou logo no início: o caixão de cima ia desabar e a família do morto de cima não ia gostar disso. Então, após conversar com o Jurídico, eles tinham duas opções maravilhosas - só que não - para nos oferecer: pedir judicialmente que a família de cima - enlutada há dois meses, ressalto - autorize a retirada do caixão de cima -sendo que essa solicitação estaria em nome da minha mãe e, a partir daí, ela se tornaria a responsável total e teria que responder judicialmente caso a outra família reclamasse, enquanto a Prefeitura se isentava por completo - ou aguardar 3 anos pra que o morto que supostamente está em cima seja exumado. E o que eu me pergunto é que espécie de idiota eles acham que a gente é pra imaginar que a gente ia ficar super satisfeito com essa resolução.
Erro em cima de erro em cima de erro em cima de erro...
O que eles devem imaginar, já que não têm coração e vivem de procedimentos, é "Ah, o que são três anos pra quem já está lidando com essa dor há sete?". Quem, tendo um coração, conseguiria viver três anos carregando essa dúvida? E quem vai conseguir dormir tranquilo sabendo que outra família vai ter que lidar com essa dor?
O que eles querem é que a gente aguarde 3 anos. Por um motivo bem simples. A "responsabilidade" é da Prefeitura. Em 3 anos, teremos outro Prefeito e uma equipe inteira nova. Ou seja, quem tá aqui agora, quem errou agora, vai se isentar da responsabilidade sobre o caso. E, aliás, estamos em um ano político e ninguém quer nenhum bafafá em torno disso agora, podendo prejudicar quem quer o poder, podendo interferir na opinião pública.
Só que eu tenho um coração e ele é como o do Saramago: de carne e sangra todos os dias. Por isso, não aguento os três anos. Por isso, não tô ligando a mínima pro ano político (aliás, eu anulo meu voto todo ano mesmo, esperando que, um dia, o que Saramago descreve em "Ensaio sobre a Lucidez" se torne a realidade). Por isso, eu não quero que ninguém mais precise passar pelo que estamos passando e, pra isso, não me importo em prejudicar quem quer o poder e nem em interferir na opinião pública. Por isso, quero o bafafá. Quero mais é que saibam, que comentem. Por isso, exponho aqui, novamente, o que está acontecendo e, mais uma vez, peço que leiam e, se seus corações forem também de carne, compartilhem.
terça-feira, 29 de maio de 2012
R-E-S-P-E-C-T
Até bem pouco tempo eu era professora de teatro. Uma das minhas turmas tinha um número que variava entre 16 e 25 crianças e adolescentes entre 10 e 16 anos. Entre uma série de atividades que eu planejara e diversos conceitos que constavam do meu planejamento, todo voltado para uma investigação sobre o mundo que eles queriam, me vi tendo que lidar com algo que não era previsto. Falamos sobre respeito em uma das primeiras aulas e, depois, voltamos ao tema e tivemos 3 longas aulas girando em torno do ato de respeitar aos outros e a si mesmo - que acabaram sendo as 3 últimas aulas. E, sim, minha saída do lugar onde era professora tem, também, a ver com respeito; mas, não, nenhum problema com as crianças.
Se tem uma coisa que eu acredito é que as coisas não acontecem por acaso, que esse mundo aqui não é bagunçado. Tudo que acontece tem um motivo, que a gente pode demorar séculos pra saber qual é - ou até nunca saber. Não nessa vida, pelo menos. E, pra mim, o fato de eu ter falado tanto de respeito no último mês estava me preparando pra lidar com uma imensa - IMENSA, com letras garrafais - falta de respeito. Logo vou explicar tudo, mas queria começar dizendo que na sexta, dia 25 de maio, fiz um B.O., coisa que eu nunca fiz antes. E tinha lá os artigos infringidos e tinham a ver, conforme está lá registrado, com "sentimentos religiosos e respeito aos mortos". E é disso que eu sou, agora, obrigada a falar: da falta de respeito aos mortos e aos vivos. Da falta de respeito que chega a ser falta de humanidade. Da falta de respeito que faz a gente acreditar que tá vivendo num filme bizarro com um roteiro muito ruim, pois não é possível que isso seja a realidade.
Há 7 anos publiquei um post, em um outro blog, sobre a dor maior do mundo. Há 7 anos eu fui obrigada a me separar da minha irmãzinha, de uma das criaturas que mais amo, da nossa princesinha que - cedo demais, ao menos pra nós - chegou ao castelo e virou estrela. Ela tinha 15 anos. Era sábado e a gente estava correndo na chuva e dançando gafieira. Eram só duas semanas depois e eu estava num avião que parecia não chegar nunca ao seu destino, sentada ao lado do meu pai, lembrando desse sábado e sem coragem pra perguntar o que eu já sabia: se realmente não dava mais pra gente fazer nada. Se já tinha acontecido. Se ela já era estrela...
7 anos que são 7 milênios de tanta saudade.
Na época do acidente, acreditem ou não, já tivemos que lidar com muita falta de respeito. Mas a dor maior do mundo faz com que desrespeito pareça algo menor. Ia passar. A raiva em relação a pessoas que queriam se aproveitar da situação, o não acreditar que algumas pessoas possam ser tão baixas e cruéis, a decepção em ver que falta muita humanidade no mundo... Tudo isso passa. Não passa a saudade.
E, então, foram 7 anos longe dela. 7 anos em que a luta diária era acreditar que longe é um lugar que não existe. 7 anos em que dormir, às vezes, era um ato tão doce, por ser a possibilidade de encontrá-la nos sonhos. 7 anos em que fotos, vídeos, lembranças foram companhia constante de todos que a amam. 7 anos em que uma coisa tão boba quanto um pedacinho de terra adquiriu uma importância enorme. 7 palmos, em 7 anos.
Ela havia manifestado a vontade de ser enterrada em um cemitério desses que são um longo campo. Vontade besta! Tão nova, pra que pensar nisso? Pra que, pouco depois, fosse feita a sua vontade. Pra que, aos prantos, víssemos aquela "coisa", que continha seu corpo - seus longos cabelos, seus olhos de vírgula, seu nariz mais lindo do mundo, sua pinta do ladinho do dedo da mão - descer 7 palmos e ser coberta de terra.
Coisa triste visitar alguém num cemitério. Nem todos os anos limpando com limão os túmulos da minha vó e da minha madrinha me prepararam pra isso. E, certamente, era o que toda minha família sentia. Falta de preparo. Na busca por uma forma de conseguir lidar com aquilo, buscamos inspiração na nossa florzinha pra saber o que fazer: transformar num grande jardim. Um jardim praticamente encantado. Flores, muitas flores! E anjinhos, bonequinhas, pedrinhas, fitinhas, lembranças... até o Harry Potter estava lá. E uma placa linda, com o nome tão lindo, com a data em que a gente ganhou ela de presente e - capricho nosso - ocultando a data em que as estrelas ganharam sua Princesa. Princesa Estrela. Um jardinzinho cuidado com muita dedicação e amor pela melhor das jardineiras: minha mãe. Que também é - não canso de repetir - a melhor mãe do mundo.
Foi essa mesma jardineira que, prevendo o momento em que o que lá estava deveria ser retirado, foi até à Administração do Cemitério. A gente acha que o pior momento é o em que a terra cobre, mas esquece que vem um ainda pior depois... Quando a terra precisa ser retirada. Exumação. Palavra que assombra. Que assusta. A moça da Administração, sabendo respeitar a dor de uma mãe, disse que ela podia ficar tranquila, pois seria avisada com bastante antecedência da exumação, teria tempo de se preparar. Não seria ela a fazer? Algum membro da família que mora longe, em outro Estado? Não, não se preocupe... O aviso é feito com muita antecedência. Ela ia confirmar todos os dados, pra não ter problema. Endereço, telefone, celular, o celular da filha - o meu celular. Ela não queria comprar um jazigo, ali, no mesmo cemitério, para ser feita a transferência do caixão? Ela teria o jazigo até 2018 e ainda era duplo! Era uma garantia a mais... E, assim, ela pagou em 10 parcelas os quase R$1700,00 que garantiriam a sua segurança. Era 2008, 3 anos haviam se passado e ela estava comprando mais 10 anos de uma suposta tranquilidade.
O medo do depois continuava rondando a família. Foi por causa dele que perguntamos a um dos homens que trabalhava no cemitério o que aconteceria se a família não aparecesse pra exumação. "Aí a gente não faz. Não pode fazer sem familiar." Insistimos: mas e se, sei lá, a família toda tivesse desaparecido? "Aí a gente tira, coloca tudo num saco, numa daquelas gavetas. Mas marca de quem é, né? Vai que a família volta, procurando!".
Parecia um procedimento tranquilo; se é que se pode chamar de tranquilo algo que te obriga a ver os ossos de alguém que você ama muito e reconhecer, ali, o que restou da pessoa maravilhosa. Mesmo assim, a gente não deixava de temer esse momento. De tentar se preparar, se organizar. E minha mãe, incansável, buscava uma confirmação constante de que seria assim, como lhe garantiam. Ia frequentemente à tal Administração dos Cemitérios, na Prefeitura. Atualizava dados. Perguntava se a data estava se aproximando. A resposta era sempre a mesma: "Nós vamos avisar!".
Na Páscoa desse ano, depois de levarmos flores novas e arrumarmos o jardinzinho, voltando para o carro, falamos de novo na tal da exumação. Eles iam avisar. A gente teria como se preparar. Uma tia viria fazer, ela se ofereceu. Mas, em algum cantinho de mim, eu sabia que não. Eu sentia que teria que passar por isso um dia. E, surpreendentemente, não me causava pânico. Eu estava me preparando pra isso. Há 7 anos.Com a certeza de que, a Princesa, não tinha mais absolutamente nada a ver com o que estava sob a terra. Ela estava muito acima da terra. Acima da Terra, até. Reinando entre as estrelas, todas brilhando menos que ela, Princesa-Rainha.
E foi logo depois que minha mãe comentou. Tinha ido lá. Parecia mexido. Tinham até tirado todas as coisinhas que a gente levou. A placa estava caída, ela teve que levantar e arrumar tudo. Será que era por causa da chuva? A terra parecia fofa... Eles sempre mexem ali sem avisar, não respeitam o que a gente faz. Já tiraram todas as pedrinhas que arrumamos numa decoração tão linda, já arrancaram a grama e plantaram outra, já sumiram com tanta coisa que deixamos ali.. até com o Harry Potter! Era uma enorme falta de respeito... Mas ela reclamaria.
Voltou e tinham mexido de novo. Tiraram mais uma vez a placa. Ela colocou de novo. Arrumou de novo. Eles não respeitavam, mas ela não desistia. Aí, meu pai foi lá... Encontrou todas as coisas do jardinzinho no lixo. Um absurdo! Ela voltou lá pra arrumar. Não achou nada. Nem a placa com o número do túmulo. Não que ela fosse lembrar disso, óbvio. Era sua filha ali. Não era um número. Enfurecida e cheia de razão, foi reclamar com o homenzinho que estava sempre por lá, que já a conhecia, já sabia da sua história toda. "É melhor a senhora reclamar na Prefeitura...", ele disse. E ela foi. Já era maio, já estava chegando o dia do aniversário dela, os 23 anos da Princesa Estrela e era inadmissível que o jardim dela não estivesse impecável nessa data!
Na Prefeitura, conseguiu chegar à Chefe de Gabinete. Também mulher, também mãe. Ouviu tudo, se emocionou, chorou junto com a minha mãe. E prometeu que cuidaria pessoalmente do caso. Mandou emails, exigindo que arrumassem tudo, exigindo um mínimo de respeito. Copiou minha mãe, mostrando que o responsável estava ciente e seria cobrado.
24 de maio. Quinta-feira. Compramos flores lindas pra nossa Princesa. E fomos para o Cemitério. Na entrada, enquanto eu segurava as flores, minha mãe procurava alguém que lhe informasse sobre as providências que haviam sido tomadas, queria saber como estavam as coisas, pra não ter nenhuma surpresa desagradável. Surpresas desagradáveis é tudo o que temos, desde então. Minha mãe perguntou para um senhor como estava, ele confirmou quem era ela - "a de Alumínio, né?" - e disse "ah, foi exumado!". Exumado. Vi minha mãe indo falar com alguém responsável no telefone, enquanto dois vasinhos de flores caíam no chão, vítimas da minha mão que amolecia.
A responsável, uma tal de Marlene - que não deve ter filhos e nem mãe, pra agir como agiu - confirmou a exumação e começou a explicar mecanicamente procedimentos que não interessavam em nada a minha mãe. Só o que interessava era saber como eles garantiam que avisariam com antecedência e, agora, ela descobria isso, do nada, e bem no dia do aniversário da minha irmã. Isso, óbvio, a Marlene não sabia, mas "se a senhora me deixasse falar, eu estou tentando explicar o procedimento". Minha mãe não a deixou falar, claro. Quem se importa com o procedimento? Ainda mais quando, seja lá qual for o procedimento, ele está contra o procedimento que sempre foi informado: notificar a família e jamais fazer a exumação sem a presença de um familiar.
Não sei como conseguimos chegar na Prefeitura, no estado em que minha mãe estava. Choque, raiva, medo, choro, pressão subindo. Lá, a Chefe de Gabinete entrou em contato com a tal Marlene. Foi exumado, mas não sabe onde está a documentação. Não sabe quando foi. Sim, foi notificado. Ela mandou carta. Não receberam a carta? Mas saiu edital no jornal. No jornal que nunca compramos. Não, ela não ligou. Eles não ligam. É o procedimento. Ela não sabe mais nada, não está anotado no caderninho. Caderninho. Marlene, já te avisaram que estamos em 2012 e os computadores já foram inventados? A ossada? Ela não sabe onde está. Eles não deveriam separar, identificar?... Não era esse o procedimento? Ela não sabe. Tenho a impressão de que Marlene - que não tem filhos, nem mãe, nem coração - estava odiando essa conversa boba, atrapalhando seu jogo de paciência. Com um baralho, mesmo, pois não dá pra jogar paciência no caderninho.
Então, surge um vereador, que conheceu minha irmã. E que acabou se envolvendo na história, do nada. Por, talvez, ser um dos poucos que respeitam a dor maior do mundo que a gente sente. E, juntos - ele, a Chefe de Gabinete, minha mãe e eu - esperamos o tal responsável por tudo isso. Que chega e, além de não apresentar posição e nem solução nenhuma, ainda deixa escapar que, como a gente comprou o jazigo, nem deveria ser feita a exumação, apenas a tranferência do caixão, com a presença de um familiar. Saímos de lá acabados e com apenas uma posição: eles irão verificar. Os procedimentos, os malditos procedimentos!
Toda a família, óbvio, fica abalada. Mexe com a estrutura emocional de toda uma família: eu, mãe, irmã, cunhado, tias, tio, pai... Amigos e conhecidos, quando sabem de tudo, não conseguem nem acreditar que algo tão absurdo possa realmente estar acontecendo. Processo e mídia, é o que todos dizem. E a gente vai revivendo a dor, vai vendo a água que tava quase parando, correndo tranquila com algumas turbulências, virando redemoinho. O pior já aconteceu - há 7 anos; a gente só queria ter nossa dor respeitada. Só queria que procedimentos burocráticos vissem pessoas onde estão vendo só corpos. Soubessem que cada um daqueles "corpos" tem uma família, uma história, uma crença. Sentimento religioso e respeito aos mortos. Pra mim, ela não está ali, aquilo que ali resta não é ela. Mas e as famílias que acreditam piamente que ali está o ente querido? E se fosse com elas?
E é, também, com elas. É só pesquisar na internet um pouco, conversar com algumas pessoas e lá vêm as histórias: a mulher que foi exumar o pai e encontrou um corpo de mulher, os coveiros que começaram a abrir vários caixões na frente do familiar que procurava alguém, o jazigo que está a venda quando ainda abriga a avó de alguém... Tá tudo errado. O procedimento está sendo seguido, mas será que só a gente vê que o procedimento - que todos os procedimentos, aliás,estão errados?
E eles nos pedem pra não processar, pra não abrir pra mídia... É ano político, pode prejudicar, vão explorar nosso caso e usar como ferramenta política... Caso? Ferramenta? Política? As pessoas precisam saber o que está acontecendo. Precisam saber o caos que reina nesses cemitérios. Pra que ninguém mais tenha que enfrentar o que nós estamos enfrentando. Pra que procedimentos corretos e respeitosos sejam adotados.
Meu cunhado foi na sexta (26/05) até o cemitério. Viu a documentação da exumação. Orientados por uma advogada, fizemos um B.O. O tal que falei logo no início. Conversamos muito, tentando definir o que faríamos. E estávamos nesse ponto quando apareceu a novidade: mesmo com todos os indícios dizendo o contrário, a exumação não ocorreu. 80% de chance de não ter ocorrido. Aliás, 90%. O que aconteceu é que, realmente, era pra terem exumado - mesmo sem a presença de familiar e sem notificar a família - mas, aí, só colocaram um outro caixão em cima. Isso é normal, hoje em dia. Não existe mais a coisa de 7 palmos, que tinha antigamente. É um procedimento normal. Ok, que mundo surreal é esse em que viemos parar que fazer um puxadinho no túmulo de alguém é considerado um procedimento normal? Cadê o respeito? A suposta exumação data de 20 de março. Ou seja, há mais de 2 meses minha mãe está levando flores pra um desconhecido, enquanto uma outra família visita seu morto e a minha irmã junto? Duas famílias desrespeitadas, duas dores desrespeitadas. E a gente se vê obrigado a torcer muito pela hipótese do puxadinho, pelo simples fato de parecer menos pior do que imaginar que os restos mortais da nossa Princesa estejam em um lugar desconhecido e nunca mais sejam encontrados. E a gente se vê obrigado a perder o sono, a chorar, a sofrer, a reviver o passado e a se preparar de forma absurdamente rápida para uma exumação às pressas, que - talvez - ponha fim a esse pesadelo.
E a gente se vê desrespeitado. Completamente desrespeitado.
E eu, ao menos, me fortaleço lembrando que, pelo menos pra 25 crianças, eu consegui ensinar o que é respeito. Pois o mundo que eu quero pra mim é um lugar onde as pessoas se respeitam. Onde a dor é respeitada. Onde a memória é respeitada. E onde os procedimentos são substituídos por humanidade.
sábado, 26 de maio de 2012
Megafísica
Se tudo fosse como o algarismo, significativo
Talvez a vida fosse mais proporcional
As grandezas fossem ainda maiores
Sendo escalar ou vetorial
Se do módulo
Eu encontrasse a direção
Tudo teria mais sentido
Fácil como a notação
Se toda ação tem uma reação
Toda força tem um porquê
Se Newton assim disse
A importância da inércia não dá para ver
Se a gravidade
Influi tanto na roldana quanto na polia
E as duas são a mesma coisa
A diferença não existia
Terminando, o empuxo e o impulso
Como o atrito cinético e o estático
São como o corpo no sistema
Estudar assim é bem mais prático.
(primeiro ano do colegial, 13 anos, uma negação nas aulas de Física... aí o Prof. Fernando me disse que eu não ficaria de recuperação se fizesse uma poesia sobre a matéria...)
terça-feira, 22 de maio de 2012
Destino
Ninguém acredita ou não em destino, simplesmente. É muito mais complexo que isso! As pessoas costumam ter as duas opiniões confrontando-se dia após dia em suas mentes. Em uma única semana ouvi duas opiniões contraditórias de uma mesma pessoa. Começou com “acreditar em destino é cômodo demais; você não corre atrás se acha que tudo está escrito”. Dias depois, “mas se vocês se encontram sempre, é o destino!”. E... Eu já não sei de nada! Acredito no destino como a maior e mais importante força do Universo há um bom tempo. Mas não confio nele! A gente tem uma amizade extremamente complicada. Eu peço pra ele me ajudar, traçar um futuro legal pra mim. Ele é um cretino irônico que adora me confundir. Aí ele se arrepende e resolve me ajudar. E eu, vingativa e rancorosa, não aceito sua ajuda, xingo, grito, esperneio e resolvo fazer meu futuro com minhas próprias mãos. A gente fica um tempo sem se falar. E eu choro sozinha, sofrendo, sem dar o braço a torcer, sentindo falta de seu refinada ironia. Aí ele volta e a gente finge que nunca brigou e o ciclo se reinicia. É sempre assim! No fundo, ele é um bom amigo, um cara legal mesmo, mas eu acho que ele brinca demais comigo... E é só isso que me irrita nele! Segundo Mel Gibson, em “Sinais”, e segundo a chata da Anita, não existem coincidências. Meu amigo sorri ao ouvir isso, ele sabe que é verdade. Em seguida ele me encara e pergunta: “Você também sabe, não é?”. Eu não respondo! Abaixo os olhos e recomeço a andar. Ele ri e logo está caminhando ao meu lado, feliz e radiante e assobiando baixinho “Ironic” da Alanis (enquanto eu faço o meu característico “Grrrrrrr...” e digo “Infeeeeerno!”, antecipando nossa futura discussão).
(post de 2005 ou 2006, publicado em um velho blog - acho que o segundo)
domingo, 6 de maio de 2012
alfred, seulyndo!
" É mais fácil ser vilão; menos fácil fazer um papel convencional; consideravelmente mais difícil ser um comediante."
(Hitchcock)
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Eu li num livro 18
Livro: O Jogo do Anjo
Autor: Carlos Ruiz Zafón
Doses de sabedoria:
* Ainda não posso morrer, doutor. Ainda não. Tenho coisas a fazer. Depois terei a vida inteira para morrer.
* Tudo é um conto, Martín. O que cremos, o que conhecemos, o que recordamos e até o que sonhamos. Tudo é um conto, uma narração, uma sequência de acontecimentos e personagens que comunicam um conteúdo emocional. Um ato de fé é uma aceitação, aceitação de uma história que nos foi contada. Só aceitamos como verdadeiro aquilo que pode ser narrado.
* - Sabe o que é bom nos corações partidos? - perguntou a bibliotecária. Neguei.
- É que só podem se partir de verdade uma vez. O resto são apenas arranhões.
* Por que será que quando menos se tem a dizer, mais pomposa e pedante é a forma que se escolhe?
* Não sou devoto de santo algum, amigo Martín, e menos ainda dos que se autocanonizam ou, no máximo, se entrecanonizam. A teoria é a prática dos impotentes.
* Pedro sempre diz que a única maneira de conhecer realmente um escritor é através do rastro de tinta que ele vai deixando: a pessoa que a gente pensa que vê nada mais é que um personagem oco, e a verdade se esconde sempre na ficção.
* Lembrei que o velho livreiro sempre tinha dito que os livros tinham alma, a alma de quem o tinha escrito e de quem o tinha lido e sonhado com eles.
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