Ela entrou na sala. Cega com toda aquela luz de dentro. Talvez jamais se acostumasse com tanta luz. Talvez não precisasse mais se acostumar. Eram os cristais, os espelhos. A luz propagava, multiplicava, brilhava, cegava.
Respirou fundo. Estava criando coragem para este momento há semanas e, agora, percebia o quanto talvez não estivesse preparada.
Ele estava de costas. Ele, como a sala, brilhava. Virou-se, abriu o mais lindo e enigmático dos sorrisos e disse:
- Chegou cedo, Sarah!
Ele a desconcertava.
- Eu preciso falar com você.
- Eu sei que precisa, Sarah.
Ele a aterrorizava.
- Sabe? Como você sabe?
- Eu sei tudo, Sarah. Tudo sobre você.
Ele a assustava.
- Então... - hesitou. - Você... você...
- Se eu sei o que você vai dizer, Sarah?
Ele sempre dizia o nome dela. Era seu pequeno feitiço.
- Sabe?
- Sei, Sarah.
Ele ainda sorria. Ele a surpreendia.
- Então...
- Quando você vai, Sarah?
Simples. Direto. Ele despertava sua admiração.
- Agora.
Silêncio. Incômodo. Ele a sufocava.
- Eu quero ir agora.
- Tudo bem, Sarah.
Ainda sorrindo. Confortador. Ele a encantava.
Ela não sabia o que dizer.
- Você tem certeza, Sarah?
Ele despertava sua paixão.
O brilho aumentara?
- Eu gostaria que você ficasse, Sarah.
Adoração.
- Eu gosto tanto de você, Sarah.
Veneração.
- Eu te amo, Sarah.
Ilusão.
E aquele brilho insuportável. Era parte do efeito.
Ela precisava ser firme, ser forte.
- Eu quero ir. Agora. E, por favor, se você me ama mesmo, não diga mais nada.
Sorrindo ainda.
- Como queira, Sarah. Posso só te perguntar...
- O motivo?
Era a vez dela de completar. De já saber.
- Sim... Sarah!
- Eu cansei. Cansei de estar aqui por você, enquanto o mundo desaba. Eu preciso ter a minha vida.
- Eu compreendo, Sarah.
Sempre compreensivo. Sempre arrebatador.
- Estou indo.
Aproximou-se. Devagar. Beijou a face dele. Abraçou-o. Ele correspondeu ao abraço. Calorosamente. O calor vinha só dele ou era culpa de toda aquela luz?
Em frente a ele, sorriu.
- Obrigada. Por tudo.
Sem resposta.
Saiu. Caminhava até a porta.
- Sarah!
Voltou-se. Esperando a palavra final dele. Por um momento, mesmo sabendo que sofreria depois, quis que ele a impedisse de ir.
- Sim...?
- Você vai se esquecer de tudo. De tudo o que vivemos. É o que acontece quando as pessoas saem daqui, Sarah!
Ela não tinha certeza de que queria esquecer.
- É como se eu precisasse ir. Só isso.
- Tudo bem, Sarah.
Ela não queria esquecer aquele sorriso. Não podia. Maldita hora em que decidira ir embora. Antes que ele percebesse a lágrima tola que se formava em seu olho, virou-se, mais uma vez, para ir embora.
- Sarah!
Ela parou, mas não se virou. As lágrimas já desciam pelo rosto agora, sem controle algum.
- Quando você sentir dor... ou quando as coisas não fizerem sentido para você... eu estarei aqui por você. Enquanto o mundo desaba. Eu sempre estive aqui por você. Só que você nunca percebeu, Sarah.
Fechou os olhos com força. Sussurrou: "eu te amo".
E, então, abriu os olhos. Chorara enquanto dormia. De novo. Não conseguia lembrar do sonho, só de muita luz e de um sorriso inebriante.
De camisola, caminhou até a janela. Nevava. Tinha tanta, mas tanta coisa para resolver em sua vida. Talvez chorasse por isso. Mas costumava acordar com uma sensação boa. Como se, em algum lugar, existisse alguém que sempre estaria ali por ela, enquanto a neve caía. Enquanto o mundo desabava.
Voltou para a cama e dormiu.