quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
você (não) pode errar!
aí eu ia subindo a rua e elas desciam. uma mulher de uns 40 anos e uma menina de uns 7. mãe e filha? e a menina tropeçou. do nada. dobrou a perna e quase caiu. teria caído, se a mulher não a tivesse puxado pelo braço. uma coisa simples, um tropeço. quantas tropeçadas - literal e figurativamente - não damos na vida? e a mulher/mãe a segurou, impediu a queda, como era de se esperar. e eu nunca mais teria lembrado dessa cena. mas eu vou lembrar; mas eu precisei registrar. pelo que a mulher/mãe disse, logo depois de levantar a menina: "não faz isso, que coisa feia! fica tropeçando por aí... você não pode tropeçar!".
mas, gente, como assim não pode tropeçar? tropeços acontecem. inclusive os literais. eles independem da nossa vontade. ninguém é besta/masoquista de se jogar/cair/machucar intencionalmente, ainda mais aos 7 anos de idade. (ok, algumas pessoas crescem e se tornam bestas/masoquistas e gostam de se machucar, mas não tem a ver com o que eu estou falando). é o chão que é irregular, é o sapato que é desconfortável, é uma distração, é intervenção divina.... é qualquer coisa, menos vontade.
mas tropeçar é feio. tropeçar significa que algo deu errado no seu processo de colocar um pé na frente do outro e caminhar lindamente. significa que você falhou no processo de andar e deixou de praticamente deslizar como uma sílfide. tropeçar significa que você errou. e você não pode errar! você não pode tropeçar, você não pode ir mal na prova, você não pode esquecer nada, você não pode quebrar nada, você não pode brigar com o coleguinha, você não pode ficar de recuperação, você não pode não ser a melhor da turma, você não pode não ser a mais bonita e perfeita, você não pode escolher caminhos errados na vida. na infância e por todo o sempre.
a mulher/mãe era má? errada? não... como a minha mãe não é e nunca foi (na verdade, é a melhor do mundo), mas já me disse que eu não podia ter tirado só 6 naquela prova, que eu não podia não ter passado no vestibular (e agora? o que eu ia fazer da minha vida?), que eu não podia ir com aquela roupa simples numa festa e acabar sendo a menos bonita ali. como certamente, mesmo eu não lembrando, ela deve, em algum momento, ter falado que eu não podia tropeçar. mesmo sabendo que ela deve ter tropeçado muito na vida e, também, ouvido muitas vezes da mãe dela (minha vó linda!) que "a dedei não podia tropeçar". é assim. todos nós, eternamente condicionados a acreditar que não podemos tropeçar e que devemos ensinar isso às próximas gerações. não tropecem! não errem! é feio!
só que, se a gente não tropeça, a gente não aprende que ali, naquele lugarzinho, o chão é irregular. a gente não aprende que aquele sapato é uma porcaria e não devemos nunca mais usar ele. a gente não aprende que um 6 em matemática não significa absolutamente nada quando a gente já sabe as operações básicas e é só isso que a gente vai usar pro resto da vida, sendo que escolheu trabalhar em humanas. a gente não aprende que não passar no vestibular não é o fim do mundo (e que passar até pode ser, viu? rs) e que a gente tem o direito de mudar de opiniões e de caminhos. a gente não aprende que dói mais na gente do que no coleguinha brigar com ele (pq a gente sente muita falta...). a gente não aprende que, por mais que a gente se esforce, sempre vai ter alguém melhor que a gente na turma, simplesmente por ser assim, e não pq a gente é ruim. e a gente não aprende que beleza e perfeição são conceitos absurdamente relativos. e que errar é normal. errar é parte do processo. errar é necessário...
durante muito tempo eu tive medo de errar. ainda tenho um pouco. a ponto de deixar de fazer coisas por temer fazer errado. e minha solidariedade com a menininha tropeçando talvez tenha vindo disso. do receio de que ela acredite - como eu acreditei - que errar é errado. e não se permita errar e, com isso, atrapalhe seu próprio processo de crescimento e evolução. e perca chances.
eu escrevo, agora, por não ter tido a coragem/discernimento de dizer pra ela o que eu gostaria de dizer: "você pode tropeçar, sim!".
eu escrevo, agora, como uma forma de dizer pra mim mesma o que eu deveria dizer todo santo dia: "você pode errar, sim!".
afinal, como disse cazuza, "existe o certo, o errado e todo o resto". e errar não é errado, como também não é certo. errar é todo o resto.
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