Sexta-feira. Saíra mais cedo do trabalho, de saco cheio da rotina. Alegara uma dor de cabeça que não tinha. No caminho, parara na padaria onde almoçava normalmente. Precisava de um café, precisava desesperadamente de um café. Antes de enfrentar o trânsito, os amigos propondo programas abomináveis e o fim de noite triste, sozinho, vendo um dos filmes que já vira tantas vezes. Passara calor o dia todo - maldita ideia de vestir uma camiseta preta - e, agora, o céu escurecia, insinuando uma chuva rápida e devastadora. Maldito dia!
Sentou, pediu o café e lembrou que não carregava um livro. Maldita ideia de sair correndo. Sem ter o que fazer, olhou para a TV: mais um daqueles malditos e estúpidos programas vespertinos. Descendo os olhos, então, ele a viu. Estava sentada bem em frente a ele, mas no extremo oposto do ambiente. E escrevia. Não deixou de se perguntar o que ela faria, no meio da tarde, sozinha naquela padaria. E escrevendo, ainda.
Era bonita, mas não de uma beleza óbvia. Era tão claro que ela não se preocupava em chamar a atenção... e, mesmo assim, não conseguia desviar os olhos dela.
Ela escrevia e bebia coca-cola. Limão e gelo, aparentemente; mas, daquela distãncia, não podia ter certeza. E era uma coca normal. Não era zero, nem light, como todas as mulheres costumavam pedir. Nunca entendera o motivo: se a ideia era manter a forma ou emagrecer, porque não pediam um suco? Era quase uma convenção; mulheres bebem coca light. Ou zero. Mas ela não. Ela, distante de convenções, saboreava calorias.
Provavelmente, ela esperava alguém. Uma amiga. O namorado. Ou ela só queria ficar sozinha. Mas por que ali? Ou ela era filha do dono. Ou...
O graçom trouxe um sanduíche e ela sorriu, ao agradecer. Diante do sorriso, teve que admitir: ela era incrível. E se ele levantasse e falasse com ela? Podia perguntar algo. Não tinha a menor ideia do que perguntar, mas podia. Droga! O café acabou. Já não tinha a menor necessidade de um café, mas precisava pedir mais um. Por causa dela.
Ela comia e ele tentava não olhar para ela, mas só naquele momento entendeu a coisa de magnetismo pessoal. Era impossível não olhar para ela. Se ela percebesse, o que pensaria? Que ele era um louco. Um psicopata. Um maníaco. Não podia olhar tanto. Mas havia diferenças entre poder e conseguir...
Quando ela terminou de comer, seu café terminou. Era um sinal: eles sairíam juntos e ele poderia falar com ela! Ótimo! E, então, ela abriu de novo o caderno e voltou a escrever. O que ela escrevia tanto? Uma carta? Um diário? Eram coisas profissionais? Ah, ok, ele entendeu. Ela estava mesmo esperando alguém. O melhor que ele poderia fazer era ir embora dali e esquecer tudo. Tudo? O mais certo era nada. Mas ele não conseguia levantar. Não mesmo. Só conseguia pensar em duas coisas: o que ela escrevia e quem ela esperava? Só iria embora quando descobrisse uma das duas coisas. Que, obviamente, pela falta de coragem dele, seria quem ela esperava. Pediu um sanduíche, que justificasse sua presença.
Quando dava a terceira mordida, ela fechou o caderno. Ele prendeu a respiração. Ela abriu o celular. Achou que ela ligaria para a pessoa esperada, mas ela fechou o aparelho logo depois. Checara o horário, com certeza. Ele estava atrasado. Sabia que era um ele, pois só um ele atrasaria. Ela sorriu. Ele sorriu junto, encantado com a ausência de raiva naquela mulher maravilhosa que esperava há tanto tempo alguém. Ela era perfeita. E ainda bebia coca normal! Ele precisava falar com ela. Perguntar o que ela escrevia e deixar bem claro que ele jamais a deixaria esperando daquele jeito...
Ela levantara? Mas... Ela pegava uma mochila. O que ela levava numa mochila? Não aguentava mais tantos mistérios em uma pessoa. E ela estava indo embora. Com que direito? Ele não tinha comido nem metade do sanduíche. Que sinal era aquele? Ele já pensava "Que se dane o sanduíche!". E levantou, rápido, atrás dela. Pensou em ficar na mesma fila que ela, mas não seria muito melhor e mais bonito se ele ficasse na outra e eles saíssem juntos e ele falasse "Desculpe a curiosidade, mas o que você escrevia tanto?"? E, então, eles estavam lá, um em cada fila. Frente a frente. Ela sorria, era tão simpática... Pagava e saía. E o imbecil na frente dele contava moedas para pagar, até decidir usar o cartão de débito. Ele não conhecera desespero até aquele momento. Entregou a ficha, uma nota de R$50,00, disse "Fica com o troco" e saiu.
Ela não estava lá. Ela tinha sumido pra sempre de sua vida. Ele não sabia seu nome, o que ela carregava na mochila, nem o que ela escrevia. E ele estava condenado ao trânsito. Às propostas abomináveis dos amigos. Ao fim de noite vendo um filme que já decorara. E bebendo coca-cola. Normal.