sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Sonho que se sonha só é só um sonho

E aí a gente estava no carro. Como eu não dirijo, ele dirigia. Lógica de sonho; na vida, ele também não dirige. Eu olhava pra trás e não via nada. Minha bolsa no banco quase vazio. E a gente conversava.
"Sei lá... Não tô dizendo que ele é má pessoa, não é. Mas você entende que ele me prejudica?"
"Entendo totalmente", ele abaixa o som.
Olho pra trás: a bolsa e os faróis de outros carros.
"Pq ele tem toda essa instabilidade... Ele muda do nada: sem razão, sem explicação. E não dá pra gente ter uma amizade saudável com gente assim..."
"Eu sei como é..."
"... por mais que eu goste dele.", olho pro vazio, mais uma vez.
Sorrio para o estranho confidente.
"Às vezes eu acho que eu deveria pensar como as pessoas dizem... que ele é um cretino, imaturo, irresponsável, egoísta, que foi amigo enquanto eu tinha coisas a oferecer..."
Risos. Olho pra trás. O cabelo diferente, uma camisa xadrez, os olhos já conhecidos, um rosto imberbe, cara de raiva e mágoa.
"Oi..."
"Oi."
"Ahn... Quer que aumente a música?"
"Não."
Ele me olha de olhos arregalados e volta a atenção pra estrada. Falo baixinho: "Ele estava aí desde quando?"
"Acho que ele ouviu toda a parte de cretino, imaturo e egoísta."
"Só isso?"
"É."
"E a parte de eu gostar muito dele?"
"Ele não tava antes."
"Droga. E como ele veio parar aqui?"
"Isso é o que menos importa..."
"Explico?"
"Não... Se ele quer entender errado, deixa ele entender errado."
Suspiro e fecho os olhos. Esgotada. De medir palavras e tentar prever significados que poderão ser atribuídos. Um peso de eras.
Abro os olhos. O motorista agora é uma motorista. Ela sorri e diz:
"Tô só esperando ele sair do banheiro."
"Hmmm... Mas ele já foi há uns 20 minutos."
"Deve estar cheio."
"É..."
Bebo água, abro e fecho um livro, ligo e desligo o som.
"E se ele não voltar?"
"Oi?"
"E se ele sumir?"
"Pessoas não somem do nada."
"Ele some."
"Oi?"
"Deixa pra lá..."
"Olha onde a gente tá! No meio do nada. Não tem como ele não voltar."
"Ele sempre arranja um jeito de sumir, até quando é altamente improvável."
"Do que você tá falando?"
"Da vida."
"Eu vou descer e ver se encontro..."
"Não precisa. Vamos embora..." e aponto o carro passando na nossa frente. Duas senhoras obesas de chapéu na frente, a mesma camisa xadrez atrás. Os mesmos olhos me encaram. Vazios.
"O que ele..."
"Vamos embora", repito. E abaixo os óculos escuros, tapando aquela maldita lágrima boba, que já devia esperar isso, mas ainda se surpreendia.

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