sexta-feira, 7 de junho de 2013

WonderDory - Parte 1



A menina tremia. De frio e de medo. Estava sozinha, no meio da floresta. Era a noite mais escura do ano.

Qual era a lembrança mais antiga que tinha? Não lembrava de nada antes da ilha. Nada antes dela. Gostava muito dela, da Mestra. Achava que era o mais perto de uma mãe que ela tinha. Mas, ao mesmo tempo, como tinha medo dela. O azul forte de seus olhos, o negro de seu cabelo, toda a imagem de superioridade. A menina tinha só 8 anos, mas já sentia que nunca temeria alguém como temia a Mestra.

E agora, aquilo. A noite na floresta. "Se você voltar para cá inteira amanhã, se eu perceber que você não chorou, e não tente me enganar, você continuará o treinamento. Caso contrário, volta para a casa dos seus pais amanhã mesmo".

Não sabia se queria continuar o treinamento, mas tinha certeza de que não queria voltar pra casa dos pais. Eles não ligavam para ela mesmo.

O medo era muito grande, mas ela não podia chorar. Ela saberia. Fechou os olhos, com força, para imaginar que estava em um lugar seguro, que era dia e que o Sol brilhava radiante. Mas sentia o frio e lembrava do escuro, das árvores altas, dos barulhos estranhos.

E ouviu o barulho. Movimentos. E se fosse um bicho? E se fosse um bicho grande e maldoso? No desespero que estava, rezaria, se tivessem lhe ensinado como, mas não era algo que se ensinava na ilha.

Tentou pensar no que a Mestra faria em seu lugar... Assumir posição de defesa, não mostrar medo. Levantou, se posicionou e mentalizou "Eu não tô com medo! Eu não tô com medo! Eu não tô com medo!".

A raposa apareceu na frente da menina na mesma hora em que as nuvens se dissiparam e a Lua, cheia e forte, iluminou a floresta.

"Raposa, raposa, raposa...", por mais que pensasse, não lembrava de nada, nenhuma dica da Mestra de como poderia se comportar. E, por isso mesmo, adotou o comportamento mais infantilmente sábio que poderia adotar.

- Oi, bichinho bonitinho!

A raposa encarava a criança, que se esforçava para ter segurança nas palavras.

A menina abaixou, devagar. A raposa se aproximou, olhou com docilidade, abriu a boca e...

- Que música é essa?

A menina não conseguiu disfarçar o espanto:

- Você fala??
- Claro! Me fale da música.
- Bichos não falam.
- Então, eu não devo ser um bicho. A música?

A raposa era impaciente.

- Que música?
- Eu tô ouvindo uma música. Vem de você.
- Ah, essa música!
- É... Vem de você mesmo?
- É.
- Me explica.
- Eu não sei. Ela sempre saiu de mim. Mas não é todo mundo que ouve. Meus pais não ouvem. Todo mundo aqui na ilha não ouve. A Mestra ouviu uma vez, mas ela disse que só quem tem o mesmo... dom? Acho que é isso... o mesmo dom que eu vai ouvir, é uma forma de ide... itenti... ah, uma forma de saber que a gente tem o mesmo dom, é parecido. Entendeu?
- Entendi. Isso quer dizer que a gente tem o mesmo dom.
- Acho que sim.
- Eu gosto da música. Você quer me cativar?
- O que?
- Eu li num livro isso. Não faz cara de surpresa, eu leio mesmo. Acho que isso quer dizer que a gente vai conversar bastante até gostar muito uma da outra. Aí a gente vai ser amigas.
- Amigas?
- É. Conversar, contar tudo, segredos, contar o que te assusta, o que te faz feliz. Fazer companhia. Estar perto sempre. Mesmo longe, a gente vai estar perto.
- Eu acho que nunca tive amigas.
- Eu posso ser a primeira.
- Tá bom. Mas como eu vou saber quando a gente for amiga?
- Você vai perceber.
- O que vai acontecer? Como eu vou ver isso?
- Ver? - e a raposa riu exageradamente. - O essencial é invisível aos olhos, menina. A gente só vê bem com o coração. Você vai ver com o coração.

A menina não estava entendendo muito bem, mas gostava da ideia de não passar aquela noite terrível sozinha.

- Tem mais uma coisa: no início, a gente não precisa se ver sempre; mas, depois, precisamos passar o maior tempo possível juntas, pois é o tempo que passamos com os amigos que faz com que eles sejam tão especiais.
- Tudo bem. Você dorme aqui comigo hoje?
- Durmo... Fique perto de mim, pois meu pelo te esquentará. E pode dormir tranquila, eu te protejo.

A menina dormiu um sono agradável e calmo. No dia seguinte, seguiram juntas até a porta de entrada da Central de Treinamento. A menina atravessou a porta, pra depois lembrar da raposa, voltar e abrir a porta.

- Você atravessou a porta.
- E você fala e lê. Cada um tem seu dom, não é?

Atravessaram juntas o jardim e, quando encontraram a Mestra, ela estava empolgada demais com o sucesso da garota para se importar com a raposa. Ela tinha conseguido; tinha sobrevivido à noite fria e não tinha chorado... Claro que a raposa podia viver ali, tudo que ela pedisse seria atendido naquele dia tão especial.

Quando entraram, a raposa disse:

- Esqueci de uma coisa. Preste muita atenção e nunca esqueça isso. Você se torna eternamente responsável por quem cativa.

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