A peça era chata. Só pra ler já quase morri de tédio. Natural que não tivesse a menor vontade de fazer e natural que tenha lutado fervorosamente contra. Mas foi ela. Decidida pelo grupo. Destinada por eras. O Sonho. De Strindberg.
E, então, eu sonhei. Com aquela profusão de personagens e aquele elenco gigante, a definição do que eu seria me assustava. Ninguém, era minha única opção. Até o sonho... E eu sonhei. Sonhei que o Poeta era Poetisa. O que seria óbvio: toda a agressividade masculina não combinava com ele. O Poeta era leve, era suave, era alguém que enfrentou milênios de confrontos e ainda sorria, sem ter se rendido à força bruta, usando palavras como armas e a fé na humanidade como munição. Como na música que eu amo, o amor era sua arma mais forte.
E, então, o presente: a Poetisa. Era ela e era minha. Era eu. E, num caldeirão de criação, eu coloquei as duas, lá no fundo. As duas que são uma, que são a mesma. A eterna adolescente e a rainha do submundo. A alegria e a dor. A poesia e o pesar. O branco e o roxo. Uma saltitando, girando, com pés que se reduzem a pontas, conduzindo-a à elevação; outra, com o barro, a lama, com os pés fincados num mundo que é dela e que é belo até nos seus aspectos mais grotescos - simplesmente pq ela assim o enxerga. A menina poetisa e a poetisa menina, existente desde o sempre e renascendo a cada segundo. Coré e Perséfone.
E, no caldeirão, eu joguei bolinhas de sabão. E guizos, e tule, e purpurina, e glitter, e brocal, e marshmallow, e jujubas, e pirulito, e folhas de papel. Dei uma misturadinha e taquei angústia, inquietação, repulsa, aversão. E completei com paixão, com fé, com admiração, com encantamento. E, de lá, surgiu a Poetisa. A minha Poetisa.
E, sem querer, por puro capricho do destino, ela se olhou no pequeno espelho quadrado e viu a maquiagem borrada. E, nesse instante, sob o calor das luzes do camarim, ela se encontrou. A maquiagem borrada, a roupa se esfarrapando, os pés sujos de lama, a sujeira em cada mílimetro de seu corpo. Ela estava destruída por séculos de luta pelo que acreditava, por milênios em que vagou pela terra, querendo que a humanidade entendesse que o amor triunfa a tudo. Olheiras fundas por cada vez que os filhos dos homens julgavam que os poetas nada mais fazem do que fingir e inventar. Olhos de quem chorou por cada injustiça que viu. Mas, ainda maior, o sorriso, o deslumbramento diante do existir, o encantamento em cada banho de purpurina, a paixão pela humanidade.
O Deus criou o homem em uma roda de oleiro - ou em outra coisa qualquer - e eu criei a Poetisa no cantinho mais purpurinado do meu coração.
Sweet dreams are made of this...
4 comentários:
Que texto lindo, querida!
Eu amei a Poetisa que vc criou, adorava ver as suas cenas, sempre me encantava! Aliás, VOCÊ é encantadora! Sempre tão sensível... Te adoro muitão!
Bjokas!
Saudades!
Mistura de lama e céu. Amo, mesmo sem ter visto o banho de purpurina.
A foto é tipo dançando o tchan...hahahaha. Linda! :P
adorei seu processo de criação!
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