Então, esse é você. Esse andando devagar. Passos curtos, imprecisos; pisando a areia com cuidado, como se tivese medo que ela te invadisse, te contaminasse, te afogasse. Ninguém te ensinou que é a água que afoga? E que nem toda areia é movediça? Ah, Joely, vou ter que te ensinar tanta coisa... Pode pisar firme, com força. Você não vai afundar, não. E eu falo em um modo figurativo também. A gente não afunda, no máximo se suja um pouquinho. Incomoda, mas não mata. Você pode cair, é verdade. Esses grãozinhos traçoeiros... Mas aí é só levantar. Pisar firme. Coloca intensidade em cada passo.
É, esse é você. Roupa cinza, cabelo cinza, aura cinza. Nunca pensei que alguém tão cinzento pudesse ser assim: bonito. Sou capaz de apostar que seus olhos são da mesma cor, mas não consigo vê-los. É essa sua cabeça baixa que atrapalha. Sabe, a areia é todinha igual, não precisa olhar pra ela. Olha pra frente. Vê o que você está perdendo. Eu espero sinceramente que você não tenha olhado pra baixo por toda sua vida. Você teria perdido tanta coisa... Olha pra frente. Olha pra mim.
Eu sou aquela ali. Sentada no penúltimo degrau da escada, apoiando os pés no último. Vai ser difícil você não reparar: eu sou a única aqui. Ainda aqui. E o casaco, laranja, ajuda. Tá vendo meu cabelo? Eu tento prendê-los, mas eles ainda ficam bailando com esse vento. Você vê os fios dançando? Os fios azuis, amarelos, pretos, vermelhos? Eu acho que sempre fui assim... colorida! Você não vai ver meus olhos também, pois eu estou olhando pra frente. Mas te garanto que eles são verdes.
Então, você finalmente veio. Acho que estive sempre te esperando. Já na barriga da minha mãe. No berçário. Na escolinha. Eu estava esperando por você, sem nem saber que você existia. Mas agora eu sei.
Joely, e se você viesse até aqui? Eu queria só que você sentasse ao meu lado. Ia ser bonito ver alguém tão cinza do lado de alguém tão colorida. E você podia colocar seus pés no degrau. Assim, eles saíriam da areia e você se sentiria mais seguro. E poderia olhar pra frente. E ver o céu, e ver o mar. E me ver.
Joely, e se você segurasse minha mão? Eu acho que era o que eu mais queria. Um abraço não seria tão agradável. Um beijo não seria tão carinhoso. Senta aqui. E me deixa entrelaçar meus dedos nos seus. A gente não precisa conversar. Eu acho que a gente já sabe o que precisa saber. E as mãos dirão o que precisa ser dito.
Joely, e se... Bem... E se você ficasse dessa vez? Eu sei que as coisas não aconteceram assim. Mas, me diz, e se elas acontecessem assim dessa vez? Eu sei o que você vai dizer: que as coisas não são assim e que elas não mudam. Mas elas mudam, sim. O tempo todo. Você que não percebe. Esquece todo o resto, eu só quero saber: e se você ficasse dessa vez?
Não precisa responder agora. Você pode pensar. se você decidir ficar, oh, Joely, como seria bom! As mãos entrelaçadas seriam só o começo! A gente iria conversar por horas, correr na areia, ver as estrelas. E brincar na neve e ir ao circo e ao cinema e ao parque de diversões e... a lugar nenhum. A gente ia ficar quieto, sem fazer nada. Mas juntos. E a gente ia brigar também. E odiar um ao outro. E isso ia doer, Joel, não vou mentir pra você. Mas o que ia importar, sempre, seriam os momentos bons, pois é só isso que importa. As lembranças boas. E é isso que nos faz continuar vivendo. Eu não sei muita coisa, mas eu sei isso. E sei o que eu sinto por você. E sei que é grande. Imenso. Pra sempre. Infinito.
Se você não ficar... Sabe, Joely, não vai mudar muita coisa. Eu vou continuar te esperando. Talvez eu tenha nascido pra te esperar. E, quem sabe, um dia, não nos encontramos em Montauk?
Então, esse é você. E essa sou eu. Então, é assim que as coisas são. E vão ser.
Sempre sua,
Clem
* Prometi, há séculos, um texto bacana pra pessoa que faz os depoimentos mais bonitos do Universo. Espero que você goste, Roh, pois acordei de madrugada pra isso, rs.*