Eram amigas desde sempre. As mães já eram amigas e, sem combinar, ficaram grávidas na mesma época. E, assim, elas nasceram com uma diferença de dois dias e com uma amizade já traçada: Maria Luísa e Maria Eduarda. Malu e Madu.
Estavam sempre juntas, brincavam juntas, defendiam uma à outra. Estudaram juntas por toda a vida e, na alfabetização, fizeram questão de aprender não só o próprio nome, mas também o da outra.
Aos 8 anos, as mães planejaram um sábado diferente para as meninas e as levaram ao circo. As duas riram, arregalaram os olhos, abriram a boca, soltaram gritinhos de felicidade e aplaudiram ferozmente. No dia seguinte, Malu queria brincar de bonecas, Madu queria brincar de circo. Malu acabou cedendo. E também cedeu no dia seguinte. E no outro. No quarto dia em que Madu quis brincar de circo, Malu não cedeu e as amigas inseparáveis brincaram separadas e fazendo biquinho pela primeira vez. E, no dia seguinte, voltaram às bonecas, aos jogos, aos desenhos...
No aniversário de 9 anos, Madu queria uma decoração temática: o circo. Malu queria a festa toda baseada na boneca da moda. Pela primeira vez, celebraram as datas em dias distintos, com festas diferentes.
E, assim, foram se adaptando e aprendendo a conviver. Malu não entendia o fascínio da amiga pelo circo, mas a acompanhou todas as vezes em que ela foi a espetáculos circenses, assistiu filmes sobre circo com ela, lhe dava presentes que tivessem algo a ver com o universo que ela venerava. Madu, eternamente grata pela compreensão da amiga, era melhor do que a melhor amiga do mundo para Malu. E isso fazia com que continuassem inseparáveis.
E, então, elas cresceram. Viraram mocinhas, como se diz. Descobriram que os meninos não eram só bobos, feios e chatos. Malu delirava com atores e cantores que ela achava lindoooos (sempre com o "o" prolongado) e enchia a parede de seu quarto de pôsteres. Madu não tinha pôsteres, nem amores platônicos, tinha só uma vontade: se apaixonar por um lindo trapezista e fugir com o circo.
Malu foi substituindo o platonismo por paixonites, os famosos pelo menino lindo do 1ºB que deu uma bala pra ela e ganhou seu coração em troca. Madu achava que nenhum menino da escola seria tão interessante quanto o trapezista lindo de seus sonhos.
Malu começou a ficar com alguns meninos e, depois de um tempo, teve o primeiro namorado. Madu, deixada de lado quando a amiga se envolvia com alguém, sonhava com seu trapezista, com a fuga com o circo, com a felicidade eterna... e fazia aulas de trapézio.
Começaram a faculdade e optaram pelo mesmo curso. Continuavam inseparáveis. Por insistência de Malu, Madu acabou ficando com o veterano lindo que conheceram no dia do trote. Para total imcompreensão de Malu, Madu não quis ficar com ele nunca mais. Com armações de Malu, Madu conhecia vários rapazes e até ficava com um ou com outro, mas não chegava a se envolver com nenhum deles. Inexplicavelmente, nenhum homem era capaz de despertar paixão em Madu. Faltava em todos a magia que ela esperou durante toda a vida de um trapezista que a levasse, com o circo.
Quando Malu terminou com um de seus namorados, Madu estava ao seu lado. Limpou as lágrimas da amiga, ouviu música depressiva com ela, disse todos os conselhos que sempre dizem nessa hora. E, um belo dia, perguntou se Malu queria ir ao circo, para se distrair. Foram.
Após o espetáculo, Madu foi comprar algodão-doce. Voltou e encontrou Malu conversando com um rapaz incrivelmente bonito que, de alguma forma, lhe era familiar. Madu se aproximou e Malu lhe apresentou o trapezista Fulano de Tal, que ela acabara de conhecer. Madu só prestou atenção em uma palavra: trapezista. E, então, Malu pediu que ela esperasse um pouco ali, pois o trapezista queria mostrar algo para Malu. Madu esperou. Minutos. Uma hora. Viu que grande parte do circo estava desmontada. E Malu não voltava. Viu alguns carros indo, o circo deixava a cidade. E nada de Malu. Estava entrando em pânico e decidindo se ligava ou não para a polícia quando seu celular tocou. Era Malu. "Madu, eu tô bem, tô muito feliz. Mas não vou voltar. Não sei quando volto pra casa, aliás.". "Volta de onde?". "Não sei, não sei pra onde estou indo!", e riu, gargalhou. E explicou: o trapezista era o homem de sua vida, amor à 1ª vista, e ela ia com ele para a próxima parada do circo. Disse que amava Madu e desligou. Madu sequer se movia. Sua melhor amiga estava fugindo com o circo, apaixonada pelo trapezista. E, então, percebendo o ridículo da situação, chorou. Até sentir uma mão em seu ombro. Virou o rosto e viu o lenço oferecido - que ela aceitou - e o rosto colorido. O palhaço. Sorrindo para ela.
Ela continuou chorando e ele se sentou do seu lado. Depois de muito tempo, ela percebeu que não havia sinal algum do circo. Só o palhaço sentado ao seu lado. E perguntou "Você não tinha que ter ido?". Ele disse só "Não.". Ela agradeceu pelo lenço e pela companhia. Ele sorriu, de novo, encantadoramente. E perguntou o que a fazia chorar. E ela contou a frustração de ter passado a vida sonhando com algo que a amiga tinha conquistado. Ele, mais uma vez, sorriu. E disse "Meus pais são donos do circo. Meu pai é o apresentador, minha mãe foi assistente do mágico e hoje cuida dos figurinos. Eu nasci no circo. Cresci no circo. Virei palhaço. E sonhei a vida toda com a mulher que despertaria em mim um sentimento capaz de me fazer abandonar o circo. Meu sonho era fugir do circo." E a olhou. Sério, sem sorrir. Ela reteve a respiração, tensa. Ele colocou sua mão sobre a dela, ainda com receio, com timidez; mas não demorou muito para que os dedos se entrelaçassem. E ela percebeu que não era necessário fugir com o circo para ter sempre o circo ao seu lado. E sorriu. E passou o resto da noite rindo das palhaçadas dele... tendo encontrado, finalmente, a paixão e a magia.