quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ah, esses estranhos estudantes de teatro!

Nesses últimos anos percebi que as pessoas que estudam teatro tendem a ser, digamos, contraditórias.

Por exemplo: existem pessoas que dizem que o teatro é o sonho delas, que elas não conseguem imaginar uma vida sem o teatro, que nasceram pra isso, predestinadas mesmo, que são artistas natos(as), que abririam mão de qualquer coisa e passariam por cima de tudo pra realizar esse sonho.
E existem os que dizem “não, eu não nasci pra isso....” e dão uma risadinha. Eles estão lá pq eram muito tímidos. Pq tinham dificuldades em se expressar. É puro auto-conhecimento. Eles não vão trabalhar com isso, nunca, nem pensam nisso. Alguns, até, estão lá só pra domesticar seu Mr. Hyde... o monstro...
E aí, de repente, o que acontece? Eles param o curso. Trancam a matrícula. Abandonam. Somem. Eles, quais? Os que estavam ali, realizando o sonho. Sério mesmo.
Eles não tinham tempo, essa vida corrida... E dinheiro tb, é tão complicado.... E eu me pergunto: ok, e o papo de abrir mão e passar por cima? Alguns até regridem. E aí saem pq não era a peça q eles queriam, não pegaram o papel que queriam na peça... Ou – pior – saem pq tem um coleguinha que se destaca mais, de quem os professores gostam mais, esses professores idiotas que não percebem que ele – o sonhador ou a sonhadora – sim, nasceram pra isso. Saem pq percebem que têm idade mental de 12 anos e simplesmente não conseguem demonstrar a maturidade necessária.
Os outros? Continuam. E, inexplicavelmente, deixam de comer para comprar livros, deixam de dormir para ler peças, abrem mão de passeios para ensaiar... Nem é o sonho deles, sabe? Mas eles continuam.
E o pior é que, algumas vezes, o tal coleguinha que se destacou mais e fez o predestinado sumir era justamente o domesticador de mostros...
Estranho...

Outra coisa que eu não entendo.
Existem pessoas que entram no curso de teatro por, aparentemente, motivo algum. Afinal, eles já são atores ótimos. Já fizeram 200 mil peças, venceram concursos e festivais, têm uma enorme experiência. Se bobear, eles ensinaram o próprio Titio Stanis. E, além desse talento todo, gente, eles conhecem toda a teoria, todos os conceitos. Citam Brecht como se ele fosse da família. Falam de Nelson como se ele jantasse na casa deles todo dia. E Shakespeare, há-há, era um fanfarrão!
E existem os que não sabem absolutamente nada. Entraram de perdidos. Normalmente, são os mesmos tímidos, se conhecendo, trabalhando o monstro.
E aí eles vão fazer qualquer exercício bobo pedido pelo professor.
E os atores natos... Bom, eles não têm criatividade, é isso? E falam baixo? E, enfim... Eles estavam mesmo fazendo uma cena? Mas eles riram no meio! E falaram “ai, peraí, não era assim”. E eles pareciam tão eles mesmos...
Os outros? Podem não ser um arraso, mas fazem tão direitinho...
E quando vêm as aulas teóricas, os tais que sabem tudo, não abrem a boca.
Enquanto os outros falam... Sobre tudo... Com respeito, claro. Quem são eles pra falar sobre esses grandes nomes do Teatro? Eles são só os aluninhos meia-boca sem experiência alguma, certo?
Suspeito que isso aconteça pq, enquanto os tios e tias falam, os atores maravilhosos e completos, ficam pensando em quanto são bons, em quanto tudo aquilo é um tédio pra eles que já sabem tudo, usam o tempo pra algo mais útil, como ler, ouvir música, fofocar no corredor ou dormir. Os fraquinhos, sabendo de sua condição, ficam quietinhos, ouvindo cada sílaba, fazendo anotações...

Claro, nada disso se aplica a todo mundo. Existem, sim, os que sonham e vão até o fim. Existem os que sonham e realmente não podem seguir o sonho. Existem os alunos cheios de experiência que são bons mesmo e aplicados. Como existem os sem experiência e sem noção. Como existem os que estão ali por timidez e param no primeiro ano. Como existem... Como existem muitos estranhos estudantes de teatro. Just like me.

3 comentários:

Fernanda Bello disse...

Você não é estranha. Você é talentosa. Um pouco tímida ou insegura, não sei ao certo. Mas você no palco: brilha. Tem luz prórpia. Simples assim. Não jogue isso fora. Bjo.

Anônimo disse...

Eu sempre achei o estranho mais interessante... sei lá.
melhor descrição do que essa, impossível!
beijinhos, linda!
^^

Blower's Daughter disse...

Tally!
Não tenho nada melhor pra dizer a não ser reforçar o que a Fê e a Ka falaram: vc é talentosa, vc brilha e se vc for estranha? Ótimo, "o estranho é mais interessante".
Adorei o texto, enquanto lia, conseguia identificar algumas pessoas que conheço em algumas descrições que vc fez, tanto na parte de o teatro ser o sonho, como na parte de estar lá pra acalmar o monstro...e todas as variáveis possíveis utilizando essas combinações, e todas as contradições possíveis tb!
Bjokaaas, querida!!!!
Amo-te!