Eles iam embora juntos. Ele daria uma carona até o meio do caminho da casa dela. Bom pra conversar. Na hora de sair, chuva. O mundo desabando e eles precisavam chegar até o estacionamento. Ela tinha um guarda-chuva, mas ele estava num estado lastimável. Quebrado, furado, rasgado. Não protegeria muito, ainda mais duas pessoas. “Vamos esperar melhorar”. Não melhorou. Foi quando alguém disse que lá dentro tinham uns guarda-chuvas sobrando... Ele voltou pra pegar um. Saiu com um enorme, lindo, do tipo que não deixa nem o pé molhar. E aí ele trocou. Ficou com o dela, com o rasgado, quebrado, que molhava. Nesse momento, bestificada diante de tamanha bondade, uma lembrança ameaçou sair de alguma gaveta em seu cérebro. Uma lembrança que ela não queria. Que deveria estar bem trancada. Mas ela começou a se esgueirar... Ela foi rápida e fechou bem fechadinha a gaveta. Passado. A gente tem que colocar o traseiro no passado, como diz o Pumba.
E aí eles foram almoçar juntos. Bom pra conversar. Quando ela chegou na porta, chuva. O mundo desabando e eles precisavam chegar em algum lugar que tivesse comida. Ela tinha um guarda-chuva, mas este também estava num estado lastimável. Quebrado, furado, rasgado. Não protegeria muito, ainda mais duas pessoas. Ele conseguiu um emprestado. Melhor, maior, protetor. E aí, ele trocou com o dela. De novo. Ao mesmo tempo que uma parte dela sorria internamente, pensando “Oh, meu deus, eu tenho um novo amigo ótimo”, ela pensava “O traseiro! O traseiro!” e segurava a gaveta com o traseiro, gaveta da tal lembrança que insistia em sair.
Na volta, ela quebrou o guarda-chuva. O emprestado, que não era dela. Ele disse que ia fingir que ele tinha quebrado, mas acabou conseguindo arrumar. Ela, num momento a-felicidade-não-se-compra, pensando que no man is a failure who has friends, se distraiu. Deixou a lembrança sair por uma frestinha da gaveta. E inundá-la.
Era uma sexta. Pela janela da sua sala no trabalho, ela via o mundo desabando. Chuva, chuva, chuva. Pensou na combinação chuva/ sexta. Era algo entre trevas e o fim do mundo. Pensou o quanto seria bom chegar em casa, comer pizza... Mais tarde, cinema. 3 filmes, madrugada cinematográfica, com um Gondry e um Woody. Enquanto pensava, o celular tocou. Era ele. Outro ele. O que costumava ser o melhor deles. Há semanas ela perguntava sobre a tal inscrição. E, não, ele não tinha feito. E agora, aos 47 minutos do segundo tempo, ele queria ir lá fazer... ela não queria ir com ele? Olhou pela janela. Chuva. Tempestade. Não, ela não queria. Ela queria ir pra casa, comer pizza, ficar seca. Mas ele era um espantalho, não é? Feito de palha, sem cérebro. Ela não podia deixá-lo sozinho. Ela sabia o quanto essa inscrição era importante pra ele, aliás. Ela não o deixaria sozinho, no man is a failure who has friends e ela seria o Clarence dele. “Ok, eu vou”. Marcaram de se encontrar no meio do caminho.
No meio do meio do caminho, o guarda-chuva dela – como todos os outros dela: quebrado, rasgado, lastimável – finou-se. Não tinha mais como usar. E ela continuou andando o resto do caminho na chuva. Gelada. Encharcando. E o mais estranho, era que ela não estava brava e/ou irritada por isso. Lembrou de um livro que leu nos seus 12 anos, que citava outro livro, do Veríssimo pai. Falavam de uma personagem X, e que coisas boas aconteciam para ela quando chovia. Ela não era a personagem X. E nem percebeu isso...
Quando ele chegou, disse “oi!”. Ele tinha um guarda-chuva. Funcionando. Estava seco. E disse “oi!”. De longe. Ela pensou “Ele não quer se molhar... Eu me molhei inteira e ele é incapaz de me abraçar ou até de chegar perto, pq ele não quer se molhar”. Era difícil de acreditar. Ela estava molhada. Até na alma. Se alguém perguntasse a ele pq ela estava molhada, ele poderia citar uma série de motivos, como a chuva ou o fato dela nunca ter um guarda-chuva decente. Nem passou pela cabeça de palha dele o verdadeiro motivo: por causa dele. Ela estava molhada por causa dele. Ela estava molhada pq ele precisava dela.
Ela escondeu a decepção. Era um momento importante pra ele. E, se era importante pra ele, deveria ser pra ela. É pra isso que existem os amigos. Conversaram no ônibus. E ela por um instante esqueceu o quanto ele não estava exatamente sendo um bom amigo.
E aí eles chegaram. E ele desceu. E abriu o guarda-chuva. E andou. Ela, parada, na chuva. Desacreditando. Era isso? Ele não se importava mesmo que ela pegasse chuva, DE NOVO? Pra fazer uma porcaria de inscrição que nem era dela? Pq era importante pra ele e só pra ele, o Sr. Espantalho-Centro-do-Universo?
Era importante. Ela se controlou. “Ow, me dá uma ponta do guarda-chuva?”. Ele não se mexeu. Ela tentou se enfiar debaixo do guarda-chuva, sem sucesso. Chegou ao prédio ainda mais molhada.
E aí ele foi estúpido. Uma, duas, três vezes. Agiu como se ela nem estivesse ali. Ou como se estivesse acompanhado por uma serviçal, a ponto de fazer cara feia quando ela não quis pegar o guarda-chuva que ele tinha deixado cair. O guarda-chuva que havia protegido apenas ele.
Ela quis pegar aquela bosta de guarda-chuva e quebrar na cabeça de palha dele. Que ele ficasse encharcado e apodrecesse, se não era capaz de perceber a dedicação dela, a amizade incondicional. Mas era importante pra ele, certo? E ele obviamente estava nervoso com isso. E, ok, ela podia agüentar um pouco mais. É pra isso que servem os amigos.
E agüentou. Até quando deu. Umas 4 horas depois, eu acho. E aí estourou em um “Da próxima vez vc vai com seus amigos tão divertidos fazer sua inscrição! Quero ver se algum deles ia te acompanhar debaixo dessa chuva!”. Não iam, ela sabia que não. Ela sabia que ninguém era tão amigo como ela. E esse foi o começo do fim...
Quando a lembrança – amarga, dolorida – resolveu voltar pra gaveta, ela percebeu. Precisava parar de andar com pessoas como o Sr. Espantalho-Centro-do-Universo e seu jeito “Só eu tenho o guarda chuva, adivinha quem vai se molhar? Quem vai se molhar é você”. Precisava das outras pessoas. Das que não se achavam o Centro do Universo. E pensam de forma diferente, meio “You can stand under my umbrella”. Era hora de mudar de música.
E aí eles foram almoçar juntos. Bom pra conversar. Quando ela chegou na porta, chuva. O mundo desabando e eles precisavam chegar em algum lugar que tivesse comida. Ela tinha um guarda-chuva, mas este também estava num estado lastimável. Quebrado, furado, rasgado. Não protegeria muito, ainda mais duas pessoas. Ele conseguiu um emprestado. Melhor, maior, protetor. E aí, ele trocou com o dela. De novo. Ao mesmo tempo que uma parte dela sorria internamente, pensando “Oh, meu deus, eu tenho um novo amigo ótimo”, ela pensava “O traseiro! O traseiro!” e segurava a gaveta com o traseiro, gaveta da tal lembrança que insistia em sair.
Na volta, ela quebrou o guarda-chuva. O emprestado, que não era dela. Ele disse que ia fingir que ele tinha quebrado, mas acabou conseguindo arrumar. Ela, num momento a-felicidade-não-se-compra, pensando que no man is a failure who has friends, se distraiu. Deixou a lembrança sair por uma frestinha da gaveta. E inundá-la.
Era uma sexta. Pela janela da sua sala no trabalho, ela via o mundo desabando. Chuva, chuva, chuva. Pensou na combinação chuva/ sexta. Era algo entre trevas e o fim do mundo. Pensou o quanto seria bom chegar em casa, comer pizza... Mais tarde, cinema. 3 filmes, madrugada cinematográfica, com um Gondry e um Woody. Enquanto pensava, o celular tocou. Era ele. Outro ele. O que costumava ser o melhor deles. Há semanas ela perguntava sobre a tal inscrição. E, não, ele não tinha feito. E agora, aos 47 minutos do segundo tempo, ele queria ir lá fazer... ela não queria ir com ele? Olhou pela janela. Chuva. Tempestade. Não, ela não queria. Ela queria ir pra casa, comer pizza, ficar seca. Mas ele era um espantalho, não é? Feito de palha, sem cérebro. Ela não podia deixá-lo sozinho. Ela sabia o quanto essa inscrição era importante pra ele, aliás. Ela não o deixaria sozinho, no man is a failure who has friends e ela seria o Clarence dele. “Ok, eu vou”. Marcaram de se encontrar no meio do caminho.
No meio do meio do caminho, o guarda-chuva dela – como todos os outros dela: quebrado, rasgado, lastimável – finou-se. Não tinha mais como usar. E ela continuou andando o resto do caminho na chuva. Gelada. Encharcando. E o mais estranho, era que ela não estava brava e/ou irritada por isso. Lembrou de um livro que leu nos seus 12 anos, que citava outro livro, do Veríssimo pai. Falavam de uma personagem X, e que coisas boas aconteciam para ela quando chovia. Ela não era a personagem X. E nem percebeu isso...
Quando ele chegou, disse “oi!”. Ele tinha um guarda-chuva. Funcionando. Estava seco. E disse “oi!”. De longe. Ela pensou “Ele não quer se molhar... Eu me molhei inteira e ele é incapaz de me abraçar ou até de chegar perto, pq ele não quer se molhar”. Era difícil de acreditar. Ela estava molhada. Até na alma. Se alguém perguntasse a ele pq ela estava molhada, ele poderia citar uma série de motivos, como a chuva ou o fato dela nunca ter um guarda-chuva decente. Nem passou pela cabeça de palha dele o verdadeiro motivo: por causa dele. Ela estava molhada por causa dele. Ela estava molhada pq ele precisava dela.
Ela escondeu a decepção. Era um momento importante pra ele. E, se era importante pra ele, deveria ser pra ela. É pra isso que existem os amigos. Conversaram no ônibus. E ela por um instante esqueceu o quanto ele não estava exatamente sendo um bom amigo.
E aí eles chegaram. E ele desceu. E abriu o guarda-chuva. E andou. Ela, parada, na chuva. Desacreditando. Era isso? Ele não se importava mesmo que ela pegasse chuva, DE NOVO? Pra fazer uma porcaria de inscrição que nem era dela? Pq era importante pra ele e só pra ele, o Sr. Espantalho-Centro-do-Universo?
Era importante. Ela se controlou. “Ow, me dá uma ponta do guarda-chuva?”. Ele não se mexeu. Ela tentou se enfiar debaixo do guarda-chuva, sem sucesso. Chegou ao prédio ainda mais molhada.
E aí ele foi estúpido. Uma, duas, três vezes. Agiu como se ela nem estivesse ali. Ou como se estivesse acompanhado por uma serviçal, a ponto de fazer cara feia quando ela não quis pegar o guarda-chuva que ele tinha deixado cair. O guarda-chuva que havia protegido apenas ele.
Ela quis pegar aquela bosta de guarda-chuva e quebrar na cabeça de palha dele. Que ele ficasse encharcado e apodrecesse, se não era capaz de perceber a dedicação dela, a amizade incondicional. Mas era importante pra ele, certo? E ele obviamente estava nervoso com isso. E, ok, ela podia agüentar um pouco mais. É pra isso que servem os amigos.
E agüentou. Até quando deu. Umas 4 horas depois, eu acho. E aí estourou em um “Da próxima vez vc vai com seus amigos tão divertidos fazer sua inscrição! Quero ver se algum deles ia te acompanhar debaixo dessa chuva!”. Não iam, ela sabia que não. Ela sabia que ninguém era tão amigo como ela. E esse foi o começo do fim...
Quando a lembrança – amarga, dolorida – resolveu voltar pra gaveta, ela percebeu. Precisava parar de andar com pessoas como o Sr. Espantalho-Centro-do-Universo e seu jeito “Só eu tenho o guarda chuva, adivinha quem vai se molhar? Quem vai se molhar é você”. Precisava das outras pessoas. Das que não se achavam o Centro do Universo. E pensam de forma diferente, meio “You can stand under my umbrella”. Era hora de mudar de música.