quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Anana - parte 01
A menina abriu os olhos. Viu sua tribo ao redor dela. Todos ornamentados. Odiava aquele ritual. Odiava todos os rituais, na verdade. Reencarnação da Deusa? Quem disse que ela era isso? Que direito eles tinham de acabar com sua vida para obrigá-la a serví-los? Odiava, com todas as suas forças. E lá estava ela, acabando de voltar de outro transe...
De verdade? Ela não fazia ideia do que acontecia nos tais rituais. Sabia que ela ficava dias tendo que comer frutas e fazer mentalizações. No dia, tomava um banho especial, com ervas... e um cheiro horrível que não saía da pele por semanas. Limpa, colocava o traje especial, as jóias, e era levada pro altar no centro da roda. Nesse momento, começavam os cânticos. E ela dormia. E acordava.
O que todos diziam depois é que, no tempo em que ela achava que estava dormindo, a Deusa se utilizava de seu corpo para se manifestar, fazer profecias e atender pedidos. E tudo que ela conseguia pensar era, se a Deusa atendia pedidos, porque não atendia o dela? Ela só queria ter uma vida normal, não ser isolada do contato humano. Tinha 14 anos e passara a vida toda presa em sua tenda, vigiada por dois seguranças truculentos. Só podia ver os pais e seu professor, o homem mais sábio da tribo, que ia até lá para lhe ensinar os caminhos da Deusa.
Nas festas que seguiam o ritual, era obrigada a ficar parada no altar, sem falar com ninguém Mas estavam todos tão animados... Não perceberiam se ela saísse. E, quando ela viu o menino alto que a encarava, não resistiu a ir ao seu encontro.
- Oi!
- Você não pode sair de lá!
- Hmmm... Tudo bem! Qual é o seu nome?
- Eu... eu... não posso falar com você.
- Ninguém vai saber... deixa de ser medroso! Eu só queria ser sua amiga!
- Eu não posso ser amigo da Deusa...
De repente, o grito:
- ANANA!
A menina se encolheu...
- Pai?
- Você sabe que não pode sair do seu lugar.
- Eu só queria conversar...
- Não pode!
- Pai, eu quero ter amigos...
- Eu já disse que não pode.
- Mas, pai...
- Já chega! Pra tenda!
- Pai...
- Você quer que eu chame os seus seguranças?
- Tá bom. Eu vou...
E a menina andou com passos firmes. Com raiva. Ódio. E dizendo coisas que seus pais, sem pestanejar, chamariam de blasfêmias.
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