terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Velho Machado - Parte 2




O cachorro e a calcinha

            A relação entre o velho e a menina, que mais tarde seria a primeira neta a se formar, não foi sempre tão tranquila  Da parte dele, nunca houve nenhum interesse por crianças. Lerni, que se divorciou da esposa quando os filhos eram muito pequenos, nunca gostou de brincadeiras e coisas do gênero. Nunca foi um exemplo de vô, daqueles que levam ao parque, compram doces e contam histórias de fadas e princesas. Da parte dela, havia uma enorme desconfiança e um trauma.

            A menina sempre achou estranho ter um avô que não a levava para passear e nem fazia jogos com ela. Tão diferente do outro... Achava esquisito um velho que falava com ela, como se ela já fosse adulta. Não conseguia lembrar de um abraço, uma bala, um brinquedo, nada, vindo de Lerni. E não entendia como ele conseguia viver num quartinho, rodeado de livros apenas e sozinho. E estranhava – muito – o barulho que saía da casa do avô, terreno proibido e misterioso. Ninguém nunca entrou na casa de Lerni, até ele começar a apresentar sinais de velhice. Nem os filhos imaginavam como poderia ser o mágico quartinho. O barulho, descobriu mais tarde, era da antiga máquina de escrever que Machado usou durante toda a vida para registrar a história da família e escrever cartas e manifestos que jamais seriam publicados.

            O trauma, verdadeiramente, não surgiu por causa do avô. O culpado foi Yang, o imenso cachorro que o velho ganhou quando a menina ainda tinha uns 2 ou 3 anos. O monstro amarelo de mais de dois metros – um simples filhote de fila – cresceu junto com a primeira neta e, quando eles ainda eram pequenos, se encantou pelas calcinhas coloridas e enfeitadas com bichinhos que o pedacinho de gente usava no calor infernal do verão carioca. O pobre cão não teve escolha, depois de muito resistir, mordeu a parte traseira da criaturinha esquisita que andava em duas patas. E continuou mordendo, todos os dias, em todos os anos, até que ele cresceu e ela nem tanto. E então, a mordida doeu.

            Nesse dia surgiu o trauma, pois, em meio a lágrimas de dor, a menina viu que o velho ria e acariciava a cabeça de Yang. O cachorro acabou preso até o fim da vida, quase 17 anos depois do incidente. O velho continuou nutrindo um amor incontrolável pelo cão. E a menina achou melhor se manter afastada de ambos por um bom tempo...

Um comentário:

luvelasco@ambiental.adv.br disse...

Talita fico suoer feliz que um neto tenha interesse em escrever sobre essa grande figura...ele que tanto acumulou historias iria gostar muito..mas ele me soprou no ouvido que gostava de levar as crianças no circo ou zoologico em Niterói, eu já fui com ele e uma galera de netos e agregados e ele gostava de pagar refrigerantes, doces e tudo mais que as crianças pediam..ele disse também que nunca se divourciou de sua amada e que sempra a amou (do jeito dele)..ele certamente esta orgulhoso de você e lamenta não ter a oportunidade de ter levar quando criança...mas que era verdade que gostava de ver criança apavorada com o Yang.. só mais uma coisa (modestamente) eu fui a primeira a entrar (convidade) eu seu quarto secreto...