Marinheira: era isso que ela era. Acostumada a seguir ordens e a ser orientada por um capitão, onipresente e onipotente. Acostumada a ser guiada por ele que tudo sabia, tudo via; seu modelo, o que ela sempre quis ser. Um capitão que parecia infalível, justo e bom. E que ela achava que sempre estaria ao seu lado, orientando e guiando, companheiro de jornada.
Até que o navio se descontrolou. E a primeira coisa que ela descobriu foi que ele falhava. Que ele não era sempre bom e justo. E que, talvez, ela não quisesse ser como ele.
A insatisfação não era só dela e ela sabia que poderia facilmente liderar um motim. Mas ela não queria... Por respeito - um respeito nostálgico - compartilhava a decepção com poucos e, mesmo assim, sempre desencorajando qualquer reação extrema de seus colegas. A vida no navio sempre tem que prosseguir; mesmo com um capitão em aparente surto e ratos fazendo a festa no convés...
Até que chegou a tempestade. E, precisando de apoio, ela chamou por ele. Em vão. O barulho da chuva e das ondas era enorme e ela colocou até mais força do que deveria em sua voz, pois precisava chamar sua atenção. Precisava que ele soubesse que o mundo estava desabando e que ela precisava dele, ainda. Seu guia, seu capitão. Gritou por ajuda enquanto conseguiu. Se ele a ouviu, ignorou. E, em algum momento da grande tormenta - que durou mais de um mês - ela descobriu o que mais temia: ele não estava lá. Mataria e morreria por ele; tinha, inclusive, feito altíssimas recomendações aos superiores dele. Mesmo em meio à tormenta, se preocupara em lembrar apenas dos bons tempos e da calmaria na hora de avaliá-lo. Seu sentido de obediência era forte e a honra de um capitão é sempre a prioridade de um marinheiro. Ela jamais o abandonaria. Mas ele a abandonara...
Sofreu enquanto durou a tormenta. A chuva, muitas vezes, limpou suas lágrimas. Pensou em abandonar o navio. Pensou que aquela vida no mar não era pra ela; um mundo em que o cara que te motiva e inspira se torna o cara que te faz querer desistir. Pensou muito.
E, então, a chuva cessou. O sol apareceu. Com a claridade, teve certeza de que estava sozinha na embarcação, sem condução. Dependia dela e só dela.
Segurou o leme e, no horizonte, viu um arco-íris. Bateu os calcanhares de suas botas vermelhas como rubi, olhou o mar e teve a certeza de que nascera pra isso. Não há lugar como o lar e o mar era o seu lar.
No chão, ali pertinho, uma poça de água da chuva, refletindo sua imagem. Viu-se nela e sorriu. Olhou no fundo do reflexo de seus olhos verdes, estendeu a mão direita e disse "oh, captain, my captain!". E sorriu. Riu. Gargalhou.
Era sua própria capitã. Era o fim da maldição e o início do deleite...
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